Zero Hora:19/01/2013
Algumas expressões têm a curiosa capacidade de evocar ideias exatamente
opostas à do seu sentido original. “Decência”, por exemplo. Você ouve a
palavra e imediatamente é atingido por uma incontrolável avalanche de
pensamentos indecorosos. “Político honesto”: não importa o quanto você
se esforce para lembrar de todos os homens públicos de bem que você
conhece, ao ouvir essa expressão é em uma camarilha de pilantras da pior
espécie que você vai pensar.
Outra ilustre representante dessa linhagem de palavras vira-casacas é
“bons costumes”. Nada evoca menos um rol de comportamentos razoáveis do
que essa expressão que recende ao perfume adocicado das viúvas
rancorosas dos romances de época: falou em “bons costumes”, e eu lembro
na hora de segredos de alcova e sacanagens reprimidas.
Imagino (espero) que a deputada estadual Myrian Rios não tenha
pensado em nada disso ao redigir o projeto de lei, sancionado esta
semana pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, que propõe a
genérica “promoção da moral e dos bons costumes”. O problema com os
“bons costumes” é precisamente este: a gente nunca sabe muito bem o que
as pessoas têm em mente quando defendem a sua causa.
O que quer que sejam, uma coisa é certa: bons costumes mudam
conforme a época, o lugar e a ocasião. Você pode achar que não fica bem
uma moça desfilar sem a parte de cima do biquíni em Tramandaí – e é
provável que a maioria das pessoas que frequentam aquela praia concorde
com isso. Mas se você estiver na Praia da Galheta, em Floripa, ou na
Praia do Pinho, em Camboriú, prepare-se para aceitar uma ideia um pouco
diferente de figurino adequado para o local.
Jânio Quadros achou que poderia salvar o Brasil da decadência moral
proibindo o biquíni em 1961. A ex-atriz, ex-mulher de Roberto Carlos e
atual missionária talvez seja a favor da eliminação do sexo para fins
recreativos (a deputada já anunciou que não transa há 10 anos) e da
sunga branca na praia. Vai saber. Jânio e Myrian Rios têm em comum não
apenas a sanha moralista, mas a excêntrica circunstância de terem sido
eleitos – o que permitiu que seus delírios reformistas tomassem a
dimensão de um assunto público.
Fascinada pela nostalgia de um passado idealizado e irrecuperável, a
patrulha da moral e dos bons costumes ignora a complexidade do mundo e
alimenta a ingênua fantasia de que é capaz de corrigir a sua rota – de
volta para um lugar onde provavelmente nunca esteve.
Hábitos e práticas considerados adequados ou aceitáveis são, como
todos os organismos vivos, produtos de adaptação, mutação e evolução.
Algumas convicções a respeito da vida privada que passavam como verdade
absoluta há pouco tempo hoje são questionadas, simplesmente porque mais e
mais pessoas foram aprendendo a pensar de forma diferente.
Certas ideias e crenças vão se tornando, assim, tão anacrônicas
quanto os dinossauros e os pássaros dodô – e não será surpreendente se
acabarem tendo o mesmo final que eles.
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