sábado, 19 de janeiro de 2013

Ruy Castro

FOLHA DE SÃO PAULO

Bolando as trocas
RIO DE JANEIRO - Outro dia, citaram uma frase, "Sem tesão não há solução", e a atribuíram a Nelson Rodrigues. Pobre Nelson. Como se não bastassem as frases que inventou, ainda tem de responder pelas dos outros. E esta não era dele, mas do psiquiatra e humorista Roberto Freire. Nelson nunca diria aquilo. Nem era de seu estilo usar palavras como "tesão".
Também há pouco foi atribuída a Stanislaw Ponte Preta a frase "São Paulo é o túmulo do samba", dita por Vinicius de Moraes nos anos 50, numa boate paulistana cujos frequentadores falavam alto e abafavam o infeliz cantor -Johnny Alf. Já esclareci aqui que "samba", no caso, não se referia ao ritmo, mas à música popular em geral -a futura "MPB". Enfim, sai Stanislaw e entra Vinicius, que, nos anos seguintes, pagou por cada sílaba da frase.
E, idem, alguém deixou escapar o verso de Fernando Pessoa, "Tudo vale a pena se a alma não é pequena", e atribuiu-o a Carlos Drummond de Andrade. Corrigiu-se em seguida e até pediu perdão pelo clichê. Mas a gafe ficou. Não que o verso faça falta ao vasto Pessoa. Só que Drummond tem suas próprias pedras de toque e dispensa apropriações.
Já li o "Ora, direi, ouvir estrelas", de Olavo Bilac, atribuído a Castro Alves; o "Tu pisavas nos astros distraída", de Orestes Barbosa, atribuído a Noel Rosa; e "O que é bom para os EUA é bom para o Brasil", do político baiano Juracy Magalhães, atribuído a Paulo Francis. Mas nada se compara a "O sertanejo é, antes de tudo, um forte", de Euclydes da Cunha, atribuído a Mazzaropi.
Trocam-se as bolas, é normal. Engraçado é que, às vezes, uma frase de X realmente ficaria melhor se de autoria de Y. Como quando citaram para Carlos Heitor Cony o dito de Guimarães Rosa, "A gente morre para provar que viveu". Cony matou no peito e emendou de primeira: "Conselheiro Acácio!".

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