domingo, 17 de fevereiro de 2013

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » Non habemus papam‏


Estado de Minas: 17/02/2013 
Já que alguns dizem que a vida imita a arte e outros dizem que arte imita a vida, é impossível não relacionar a autoexoneração do papa Bento XVI com o filme Habemus papam, de Nanni Moretti, que ganhou a Palma de Ouro em Cannes em 2011. No Brasil, que se gaba de ser o maior país católico do mundo, o filme passou quase despercebido. Os críticos bem que assinalaram as virtudes da película, discutiram a comédia, a farsa, enfim, aquela crítica quase fraternal com que Moretti brincou com a sucessão papal.

Os exibidores deveriam relançar o filme. Quem não o viu deveria procurar o DVD. É uma instigante diversão. Tive a sorte de vê-lo numa circunstância especial – na Itália, depois de revisitar a Capela Sistina e o próprio Vaticano. Tudo ficou muito familiar, aliás, como ocorre com o olhar italiano, para quem o Vaticano é território deles. Afinal, há 20 séculos a maioria dos papas é italiana e tudo o que ocorre entre aquelas cúpulas e colunas interessa a católicos ou não.

O filme não é exatamente profético, mas tem tudo a ver com o momento que vivemos. Quem faz o papel de papa é Michel Piccoli, que, coincidentemente, tinha a mesma idade do renunciante Bento XVI, ou seja, 85 anos. Reconstrói-se toda a atmosfera do Vaticano, dos cardeais reunidos, a fumaça anunciatória, o povo esperando pela aparição do eleito. Contudo, o novo papa escolhido não se julga digno da eleição. Quer dizer, simetricamente contrário ao que acontece com Bento XVI, ele renuncia antes de aceitar o cargo.

Uma das coisas ousadas desse filme é tratar das razões por que o papa não quer assumir. Chegam a chamar um psicanalista, o mais famoso do país. E o papa é submetido a várias sessões de análise. Não deixa de ser irônico: aquele que ouve confissões de todos acaba necessitando de um confessor fora de sua grei, da cidade dos homens. Quem muito ouvia deve ter muito que falar. Mas que perguntas fazer ao papa? Pode-se fazer a ele as perguntas feitas aos simples mortais?

O filme deriva para outras coisas insólitas. Levam o papa em crise para fora do Vaticano, em busca até de uma mulher como terapeuta. Ele vai a lugares em que geralmente não se espera um papa: lanchonetes, hotel modesto e até um teatro onde interpretam A gaivota, de Anton Tchecov (peça que tem algo a ver com a situação do papa).

O anúncio da eleição, portanto, demora vários dias. O homem não quer o poder e o povo não pode saber disso. Do lado de fora, os fiéis esperam fervorosamente. Do lado de dentro, o colégio de cardeais entrega-se a jogar vôlei, matar o tempo e discutir os desígnios da Igreja.

O filme tem também algo de especulativo, muito semelhante ao que ocorre nestes dias em que as pessoas imaginam quem sucederá Bento XVI. Será um africano? Muitos acham que a hora é de um preto no Vaticano. Depois de Obama nos Estados Unidos, seria uma sequência natural. Além do mais, traria a África para o foco das atenções. Ou será a vez de um índio da América Latina, já que esse continente se desenvolve enquanto a Europa está em crise? 

Ora, a especulação dentro e fora do filme é pertinente. Se já tivemos um papa que veio do mundo comunista (Karol Wojtyla), se tivemos um papa que conheceu a história nazista (Joseph Ratzinger), por que não especular sobre outras variantes?

Há quem vislumbre que no futuro poderá haver uma papisa, conforme a lenda do século 13 sobre Joana, a Papisa. Dizem alguns especuladores e historiadores que no Vaticano haveria a “cadeira gestatória”, na qual se verificaria se o papa tem órgãos sexuais masculinos ou femininos. Aliás, as feministas e muita gente não entendem por que as mulheres continuam em segundo plano na hierarquia católica.

Enfim, aguardemos. Ou assistindo ao filme ou esperando que a quaresma acabe e a eleição do papa nos traga surpresas. Ou não.


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Um comentário:

  1. Gosto muito de ler o seu blog, principalmente as crônicas de A. R. de SantÁnna. Mas o e-mail dele deve estar bloqueado, pois sempre que envio algo, retorna.
    Abraço de uma seguidora.
    Solange.

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