FERNANDO ALTEMEYER JUNIOR
As sandálias do pescador
O novo papa terá o imenso desafio de cambiar modos obsoletos de organizar a igreja, abrindo espaço para jovens, pobres e mulheres
O perfil de um novo papa é a questão nevrálgica dos próximos 30 dias. Quem deve ser papa para receber a herança valiosa do Concílio Vaticano 2º e fecundá-la? Quem tem o rosto de pastor universal para essa hora decisiva? Seria um intelectual como Bento 16? Um ator, atleta e místico como João Paulo 2º? Um amigo dos pobres como João 23? Um homem do diálogo como Paulo 6º?
Há questões emergentes na sociedade: o terrorismo e o crescimento dos fascismos em tantos países; o ateísmo militante e o agnosticismo desafiador; a luta da mulher e das culturas como expressões autênticas em um mundo globalizado; as crises éticas que desfiguram a política e as instituições; os pecados mortais na Igreja como o escândalo da pedofilia perpetrado por sacerdotes contra crianças; o reconhecimento dos direitos dos povos africanos na luta por liberdade e paz; e a candente questão ecológica.
Há o imenso desafio de cambiar modos obsoletos de organizar a instituição eclesial, abrindo espaço para que os jovens participem plenamente; que os pobres digam suas palavras utópicas e que elas reverberem na alma de toda a Igreja; que as mulheres possam agir em novos ministérios eclesiais instituídos, reconhecidos e celebrados; que nossas igrejas e paróquias tornem-se vivas e participativas.
Precisamos de um papa que confie nos teólogos, nos padres, nas religiosas e, sobretudo, nos leigos e leigas missionários. Um papa que canonize subitamente dom Romero, Enrique Angelelli e a irmã Dorothy Stang. Um papa maestro de orquestra e não virtuose solitário de um único instrumento. Um papa de sandálias, que caminhe como bom pastor.
Um papa de sorriso fácil. Um papa que ame e defenda a família. Um papa profeta, que enfrente a violência contra homossexuais, crianças, negros, jovens, mulheres e povos indígenas. Um papa que não se submeta à mentira e proclame as bem-aventuranças do Evangelho.
Quer seja italiano, africano, brasileiro (sim, poderemos viver essa alegria) ou até filipino, que assuma a causa ecumênica como prioridade pessoal e primordial: busque, plante, reze, cuide e construa a união plural entre as igrejas cristãs: ortodoxas, anglicanas, protestantes e pentecostais.
Um papa capaz de caminhar com judeus, islâmicos e gente de todas as fés. Um papa capaz de dizer aos ateus que são muito amados porque creem no humano que, para nós,é divino. Precisamos de um papa paternal e, paradoxalmente, maternal.
Um papa capaz de uma misericórdia uterina por ser fiel discípulo de Jesus. E com fé imensa capaz de um milagre: comover o coração da humanidade! Os novos rumos da Igreja estarão nas mãos e, sobretudo, no coração do novo bispo de Roma: que ele tenha como bússola a fé vivida e professada.
O sonho de cada cristão será o de ouvir ressoar da janela vaticana uma voz firme e serena no dia da posse: "Coragem, irmãos e irmãs! Vamos de esperança em esperança! Encorajem os crucificados, propondo-lhes a ressurreição e a paz, em nome de Jesus, o Vivente!". O perfil de um novo bispo de Roma será, assim, o do bom samaritano.
TARSO GENRO
O Congresso deve revidar
O Senado deve reagir ao procurador-geral da República e ao Supremo com uma reforma política que valorize o Parlamento e os partidos
Sendo assim, ouso sugerir outra forma de "revide" do Senado ao procurador-geral Roberto Gurgel: por que o Senado não assume uma reação de alto nível e mais profunda à Procuradoria e ao próprio Supremo Tribunal Federal e vota uma reforma política, valorizando o Parlamento, fortalecendo os partidos e os processos eleitorais?
Ao processar um choque político com o Supremo (que está em curso) e uma inconformidade com as atitudes do procurador-geral Gurgel (que tem trânsito em boa parte da Câmara e do Senado), as Casas da Representação, apesar de seus limites, permanecem como o cerne institucional da democracia política.
Elas são, inclusive, superiores em importância ao Supremo e à Procuradoria Geral da República não para a democracia, mas para a resistência às ditaduras. Não se trata da qualidade moral ou política dos seus integrantes, pois sabemos que um percentual de condutas no mínimo não republicanas existe em qualquer instância ou Poder. Mas, porque essas Casas são avaliadas periodicamente pelo voto dos cidadãos, são, assim, menos enquadráveis por atos de arbítrio de qualquer regime autoritário.
As ditaduras fecham os Parlamentos e não as Procuradorias e as instâncias do Judiciário, pois estas podem ser controladas -sem erro- por cassações e aposentadorias forçadas. Os Parlamentos, pela expectativa de ter que "prestar contas" ao povo soberano, mesmo em "democracias relativas", sempre preservam uma centelha de rebeldia contra o arbítrio.
O revide da reforma política deve ser a grande resposta do Senado: acabar com o financiamento privado das campanhas, que deforma a representação e adultera a autenticidade dos partidos políticos; criar barreiras legais para o surgimento de siglas de aluguel, que traficam com o tempo de televisão e criam alianças oportunistas nos processos eleitorais; permitir somente alianças verticais, para que elas sejam balizadas pela construção política da nação e não por conveniências grupais ou oligárquicas regionais e locais; avançar para a votação em lista fechada para consolidar, nesta fase da República, a plena responsabilidade dos partidos para com o projeto da Constituição de 88.
O "choque" entre Poderes, embora seja devidamente escandalizado por certos cronistas políticos, é um sinal de que a democracia está viva. Quando os Poderes não têm choques, há uma falsa uniformidade, que mascara as divergências políticas sobre temas relevantes ao Estado. Esvaziada a instância política, fica valendo a interpretação que a mídia escolhe para todos os impasses.
O Senado deveria "revidar" em nome do povo, que assiste impotente à degeneração da esfera da política e à conivência da maioria dos parlamentares, de ambas as Casas, com esse sistema político. Um sistema que estagnou a democracia, não pelo conflito entre Poderes -relevantes para desnudá-los perante a sociedade-, mas porque a representação não assume uma agenda de radicalização democrática, que agora se chama "reforma política".
Ao abdicar dessa agenda, o Parlamento reforça a judicialização da política e vulgariza os choques entre instituições de Estado, que, de salutares, podem se tornar motivos para a perda de apreço à democracia. O Senado deve revidar com alta responsabilidade, dando à reforma política o mesmo estatuto que, na época da ditadura, as casas do Congresso deram à emenda das Diretas.
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