TV de segunda mão
Canais por assinatura importam conteúdo das redes abertas e reprisam filmes nacionais para cumprir cota de produção brasileira estabelecida pela nova lei da TV paga
A presença de um produto de TV aberta na grade de um canal fechado é sintomática.
Para cumprir a cota de exibição de conteúdo nacional definida pela nova lei que regula a TV paga, em vigor desde setembro último, TVs por assinatura têm recorrido à aquisição de conteúdo de canais abertos.
Na maior parte do tempo, acontece o contrário: TVs abertas absorvem programas de sucesso dos canais fechados. Recentemente, por exemplo, as séries "The Walking Dead" e "True Blood" passaram a ser exibidas no Brasil por Band e SBT, respectivamente.
A operação "tapa-buracos" dos canais fechados é uma tentativa de se adequar à lei, que exige que eles veiculem, em horário nobre, duas horas e 20 minutos semanais de programas nacionais, metade realizada por produtoras independentes.
O Discovery Home & Health incluiu na programação o "S.O.S. Casamento", que já foi ao ar pelo SBT, em 2011.
O A&E comprou um pacote de musicais da Band, com shows de artistas como Chico Buarque, Dona Ivone Lara e Rita Lee.
A Fox Life prepara para o segundo semestre uma faixa de horário com reprises de novelas da Record, como "Bela, a Feia" (2009).
A partir de setembro deste ano, o total de exibição dos programas nacionais exigido pela lei aumentará para três horas e meia semanais.
"Já faz muito tempo que venho falando que os prazos da lei são difíceis de se tirar do papel", diz Anthony Edward Doyle, vice-presidente regional da Turner International (dos canais Space, TNT e Cartoon Network).
"Há uma série de fatores que podem atrasar ou dificultar a produção de um programa, que é o objetivo da legislação", critica o executivo, cujo canal TBS muitodivertido exibe atrações como "Anjos do Sexo", "CQC" e "É Tudo Improviso", todos produzidos pela Band.
Segundo André Rossi, diretor de programação da Discovery Networks no Brasil, "Mulheres Ricas" se enquadra nos parâmetros estabelecidos pelas cotas. "Mas isso não é o suficiente para definir a aquisição. A relevância do formato para o TLC e a qualidade de produção são fatores cruciais", diz o diretor.
SEM QUALIDADE
Há quem prefira sair pela tangente. Comedy Central, Disney, Nick Jr. e DTH Family pediram "dispensa" do cumprimento da cota de produção nacional junto à Ancine, a Agência Nacional do Cinema, que regula o setor.
Eles alegam, entre outros motivos, fatores econômicos e a falta de conteúdo nacional compatível com a qualidade de suas programações.
No caso do Disney, a ABPITV (Associação Brasileira de Produtoras Independentes de TV) alega dificuldade de contato com a representação do canal no Brasil, o que a fez optar pela via direta.
Os processos que analisam os pedidos de dispensa estão em andamento na Ancine.
No início deste mês, uma comitiva de 35 produtores da BTVP (Brazilian TV Producers) aproveitou viagem a Nova York para a feira de produção infantojuvenil Kidscreen e fez visitas à sede da Disney a fim de apresentar projetos que possam cumprir a cota nacional.
"Tropa 2" é o líder entre filmes reprisados
DE SÃO PAULO
O bordão "pede pra sair!", de "Tropa de Elite", foi ouvido à exaustão nos últimos quatro meses na TV paga.
Levantamento realizado pela Folha entre 2 de setembro, quando entrou em vigor a lei que regulamenta a TV por assinatura, e 31 de janeiro apontou o filme de José Padilha de 2007 e a sua continuação, de 2010, como os campeões de reprises em horários de cumprimento da cota de exibição de produção nacional.
"Tropa 1" foi exibido 19 vezes, em canais como Space e TNT, ambos do grupo Turner. Enquanto isso, "Tropa 2" foi reprisado 23 vezes, no Telecine Action e no Megapix.
A medição levou em conta as exibições de longas nacionais no horário nobre estipulado pela legislação -das 18h à 0h, para canais adultos, e das 11h às 14h e das 17h às 21h, para emissoras infantis.
Há ainda casos de filmes, como "Deus É Brasileiro" (2003), que, em quatro meses, apareceu em horários propícios para cumprir a cota de produção nacional em canais como AXN e Sony, do grupo Sony, Canal Brasil, da Globosat, e Fox, da Fox Channels International.
Jorge Furtado, diretor de "Saneamento Básico, o Filme" (2007) e "O Homem que Copiava" (2003), diz já ter se deparado com filmes seus "exibidos quase que simultaneamente por redes fechadas concorrentes".
Os contratos de longas na TV paga preveem exibição ilimitada por um período entre um e três anos.
A lei 12.485/2011 deixou em aberto a possibilidade de penalização das emissoras pagas pelo excesso de reprises.
"Ainda não identificamos uma anomalia. É uma fase de adaptação do mercado", diz Manoel Rangel, diretor-presidente da Ancine.
Procurados pela Folha, executivos afirmaram, sob a condição de anonimato, que as reprises irão continuar. Eles alegam dificuldades de financiamento e produção de novos programas.
Isso não os eximirá de ter de se adequar à nova lei da TV paga, que tende a fechar o cerco ainda mais.
A partir de 13 de setembro de 2015, metade dos conteúdos audiovisuais brasileiros (inclusive independentes) exibidos pela TV paga deverá ter sido produzida nos sete anos anteriores à veiculação.
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