Renato Alves
Enviado especial
Enviado especial
Estado de Minas: 17/02/2013
Antártida – As caixas do sistema de som dos navios Ary Rongel e Almirante Maximiano acordam todos lembrando o tempo estimado de vida para quem cair na água da Baía do Almirantado: 90 segundos. Avisam ainda sobre as condições climáticas. Geralmente, com temperatura na casa dos muitos graus negativos e ventos nunca abaixo de 30 km/h, chegando a 200 km/h. Começa dessa forma a rotina da maioria dos militares e pesquisadores brasileiros na Antártida. Mas pode ser muito pior.
Em situação mais pavorosa estão aqueles em terra e os que passam o inverno no inóspito continente, quando as embarcações precisam deixar os mares da região para não serem esmagadas pelo gelo e seus ocupantes não morram de fome e de frio. A partir de março, 15 bravos e muito bem treinados homens da Marinha do Brasil vão se refugiar em contêineres com condições mínimas para sobreviverem ao inverno polar. Dez cientistas estarão com eles ou em refúgios ainda mais isolados.
Os militares têm a missão de guardar e preservar o que restou da antiga Estação Comandante Ferraz, queimada em 25 de fevereiro do ano passado, e os módulos que a substituirão até ser definitivamente reconstruída. A base provisória deve ser concluída no fim de março. Já a estação definitiva, em 2015. Tudo para não interromper as pesquisas. Algumas exigem a presença de estudiosos mesmo durante o rigoroso inverno antártico, que começa em abril e termina em outubro, com até 75° C negativos.
O Estado de Minas acompanhou a vida dessa gente por cinco dias, sendo um no Maximiano e quatro no Ary Rongel, além de ter visitado duas vezes a Comandante Ferraz. Com os navios, o Brasil consegue garantir presença no Polo Sul desde o incêndio que destruiu 70% da estação, há um ano. Eles servem de hospedaria, armazém, estação e laboratório aos brasileiros que se aventuram na Antártida. Como não há portos no continente, as embarcações ficam estacionadas no meio do mar, a cerca de 500m da Baía do Almirantado. O trajeto entre elas nas praias geladas é feito em pequenos botes e chatas.
Os navios são duas minicidades flutuantes, capazes de ficar na região por até 30 dias. Mais é impossível, por causa do combustível. O óleo mantém os navios em movimento e com todos os sistemas ligados, como a imprescindível calefação. Por isso, eles se revezam nas viagens entre a Comandante Ferraz e Punta Arenas. Distante 1,4 mil quilômetros da estação, a cidade portuária de 150 mil habitantes no sul do Chile serve como base de apoio às missões do Programa Antártico Brasileiro (Proantar), que neste verão completou 31 anos ininterruptos.
Uma das prioridades da expedição acompanhada pela reportagem era desembarcar 10 estudiosos na Península Antártica, além de materiais para estudos na antiga estação. Apesar de o governo brasileiro ter liberado R$ 40 milhões emergencialmente logo após o fatídico incêndio, 40% das pesquisas nacionais no continente mais ao sul do planeta se perderam em meio ao fogo.
Para retomar o antigo ritmo, será necessário ao menos mais um ano, segundo o coordenador de Projetos Científicos do Proantar, Jefferson Simões. “Mas os estudos não dependem totalmente da estação. Eles são feitos em acampamentos no interior do continente ou em geleiras e nos navios brasileiros. Por isso, o programa não foi interrompido”, ressaltou o glaciologista. Há 21 projetos de pesquisa em andamento no Proantar, que recebeu R$ 144 milhões do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação nos últimos 12 anos.
Sem teto Diferentemente dos militares da Marinha, que seguem nos navios, a maioria dos pesquisadores chega ao continente gelado em voos da Força Aérea Brasileira (FAB). Os aviões C-130 (Hércules) pousam na base chilena Eduardo Frei, levando também suprimentos, entre outubro e fevereiro. Mas esse trajeto de 1,2 mil quilômetros, em um voo de três horas, só é realizado quando o clima permite. Em 7 de fevereiro, as condições precárias fizeram com que o grupo de 40 cientistas e militares só desembarcasse na Antártida após duas tentativas de pouso frustradas. Na Ilha Rei George, homens da equipe que guarda as instalações já esperavam os convidados. Eles estão lá desde novembro, para desmontar a antiga estação e limpar o terreno, com a ajuda de 40 operários chilenos. “Quando chegamos, era cinza puro, ferro retorcido. Só havia neve e não tínhamos máquinas. Com pás, tiramos uns 60 mil metros cúbicos de neve que encobriam a estação”, contou o capitão Paulo Cesar Galdino de Souza, chefe da operação logística na Ferraz.
Só para tirar a neve acumulada, os 80 homens levaram 10 dias. Por causa do mau tempo, não voltaram ao navio, dormiram em barracas. Ainda há sucata sendo cortada e carregada por tratores e tesouras mecânicas na ilha. Eles já retiraram e embarcaram no navio alemão Germânia mais de 600t. Os homens do grupo de Paulo Souza dormem na embarcação fretada pela Marinha do Brasil e parada na Baía do Almirantado. Mas, a partir do próximo mês, quando ela partirá rumo ao Rio de Janeiro levando os escombros, 15 militares serão deixados em Rei George.
Até o fim de março, 39 caixas de metal flexível – os módulos antárticos emergenciais (MAE) – serão agrupadas e formarão um abrigo provisório. Atualmente, parte das pesquisas é desenvolvida no Rongel e no Almirante, e outra, em contêineres do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), na ilha. Antes do incêndio, eles abrigavam equipamentos receptores de dados meteorológicos e informações sobre o clima. Agora, servem de abrigo para militares e cientistas usarem internet e telefone, quando há sinal.
Nem a construção de uma nova estação, mais segura e moderna, trouxe de volta o “clima de Ferraz”, como comenta Heber Reis Passos. Técnico do Inpe, ele tem mais de 150 meses de experiência na Antártida, com 21 viagens ao continente. “Apesar do frio, a estação tinha vida. A cada bote que chegava, tinha gente para receber o visitante. Também havia muitos animais na praia, como pinguins. Depois do incêndio, sumiram todos. Mas restaram a solidariedade e a vontade de reconstruir.”
Em situação mais pavorosa estão aqueles em terra e os que passam o inverno no inóspito continente, quando as embarcações precisam deixar os mares da região para não serem esmagadas pelo gelo e seus ocupantes não morram de fome e de frio. A partir de março, 15 bravos e muito bem treinados homens da Marinha do Brasil vão se refugiar em contêineres com condições mínimas para sobreviverem ao inverno polar. Dez cientistas estarão com eles ou em refúgios ainda mais isolados.
Os militares têm a missão de guardar e preservar o que restou da antiga Estação Comandante Ferraz, queimada em 25 de fevereiro do ano passado, e os módulos que a substituirão até ser definitivamente reconstruída. A base provisória deve ser concluída no fim de março. Já a estação definitiva, em 2015. Tudo para não interromper as pesquisas. Algumas exigem a presença de estudiosos mesmo durante o rigoroso inverno antártico, que começa em abril e termina em outubro, com até 75° C negativos.
O Estado de Minas acompanhou a vida dessa gente por cinco dias, sendo um no Maximiano e quatro no Ary Rongel, além de ter visitado duas vezes a Comandante Ferraz. Com os navios, o Brasil consegue garantir presença no Polo Sul desde o incêndio que destruiu 70% da estação, há um ano. Eles servem de hospedaria, armazém, estação e laboratório aos brasileiros que se aventuram na Antártida. Como não há portos no continente, as embarcações ficam estacionadas no meio do mar, a cerca de 500m da Baía do Almirantado. O trajeto entre elas nas praias geladas é feito em pequenos botes e chatas.
Os navios são duas minicidades flutuantes, capazes de ficar na região por até 30 dias. Mais é impossível, por causa do combustível. O óleo mantém os navios em movimento e com todos os sistemas ligados, como a imprescindível calefação. Por isso, eles se revezam nas viagens entre a Comandante Ferraz e Punta Arenas. Distante 1,4 mil quilômetros da estação, a cidade portuária de 150 mil habitantes no sul do Chile serve como base de apoio às missões do Programa Antártico Brasileiro (Proantar), que neste verão completou 31 anos ininterruptos.
Uma das prioridades da expedição acompanhada pela reportagem era desembarcar 10 estudiosos na Península Antártica, além de materiais para estudos na antiga estação. Apesar de o governo brasileiro ter liberado R$ 40 milhões emergencialmente logo após o fatídico incêndio, 40% das pesquisas nacionais no continente mais ao sul do planeta se perderam em meio ao fogo.
Para retomar o antigo ritmo, será necessário ao menos mais um ano, segundo o coordenador de Projetos Científicos do Proantar, Jefferson Simões. “Mas os estudos não dependem totalmente da estação. Eles são feitos em acampamentos no interior do continente ou em geleiras e nos navios brasileiros. Por isso, o programa não foi interrompido”, ressaltou o glaciologista. Há 21 projetos de pesquisa em andamento no Proantar, que recebeu R$ 144 milhões do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação nos últimos 12 anos.
Sem teto Diferentemente dos militares da Marinha, que seguem nos navios, a maioria dos pesquisadores chega ao continente gelado em voos da Força Aérea Brasileira (FAB). Os aviões C-130 (Hércules) pousam na base chilena Eduardo Frei, levando também suprimentos, entre outubro e fevereiro. Mas esse trajeto de 1,2 mil quilômetros, em um voo de três horas, só é realizado quando o clima permite. Em 7 de fevereiro, as condições precárias fizeram com que o grupo de 40 cientistas e militares só desembarcasse na Antártida após duas tentativas de pouso frustradas. Na Ilha Rei George, homens da equipe que guarda as instalações já esperavam os convidados. Eles estão lá desde novembro, para desmontar a antiga estação e limpar o terreno, com a ajuda de 40 operários chilenos. “Quando chegamos, era cinza puro, ferro retorcido. Só havia neve e não tínhamos máquinas. Com pás, tiramos uns 60 mil metros cúbicos de neve que encobriam a estação”, contou o capitão Paulo Cesar Galdino de Souza, chefe da operação logística na Ferraz.
Só para tirar a neve acumulada, os 80 homens levaram 10 dias. Por causa do mau tempo, não voltaram ao navio, dormiram em barracas. Ainda há sucata sendo cortada e carregada por tratores e tesouras mecânicas na ilha. Eles já retiraram e embarcaram no navio alemão Germânia mais de 600t. Os homens do grupo de Paulo Souza dormem na embarcação fretada pela Marinha do Brasil e parada na Baía do Almirantado. Mas, a partir do próximo mês, quando ela partirá rumo ao Rio de Janeiro levando os escombros, 15 militares serão deixados em Rei George.
Até o fim de março, 39 caixas de metal flexível – os módulos antárticos emergenciais (MAE) – serão agrupadas e formarão um abrigo provisório. Atualmente, parte das pesquisas é desenvolvida no Rongel e no Almirante, e outra, em contêineres do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), na ilha. Antes do incêndio, eles abrigavam equipamentos receptores de dados meteorológicos e informações sobre o clima. Agora, servem de abrigo para militares e cientistas usarem internet e telefone, quando há sinal.
Nem a construção de uma nova estação, mais segura e moderna, trouxe de volta o “clima de Ferraz”, como comenta Heber Reis Passos. Técnico do Inpe, ele tem mais de 150 meses de experiência na Antártida, com 21 viagens ao continente. “Apesar do frio, a estação tinha vida. A cada bote que chegava, tinha gente para receber o visitante. Também havia muitos animais na praia, como pinguins. Depois do incêndio, sumiram todos. Mas restaram a solidariedade e a vontade de reconstruir.”
Saiba mais
Os navios que dão suporte
A Estação Antártica Comandante Ferraz começou a operar em 6 de fevereiro de 1984. Os contêineres que formavam uma pequena vila – com depósitos, oficinas, biblioteca, salas de lazer e estar, enfermaria, sala de comunicações, ginásio de esportes, cozinha e refeitório – foram levados pelo navio oceanográfico Ary Rongel e diversos outros navios da Marinha do Brasil. O nome da estação homenageia Luís Antônio de Carvalho Ferraz, comandante da Marinha do Brasil, hidrógrafo e oceanógrafo que visitou o continente Antártico por duas vezes a bordo de navios britânicos. Ferraz desempenhou importante papel ao persuadir o Brasil a desenvolver um programa antártico, o Proantar. Em 2004, a estação chegou ao ápice, com 60 módulos e capacidade de abrigar 48 pessoas. Entre os programas de pesquisa destacam-se os que permitiram estudar o impacto das mudanças ambientais globais na Antártida e suas consequências para as Américas, inclusive a Amazônia.
Os navios que dão suporte
A Estação Antártica Comandante Ferraz começou a operar em 6 de fevereiro de 1984. Os contêineres que formavam uma pequena vila – com depósitos, oficinas, biblioteca, salas de lazer e estar, enfermaria, sala de comunicações, ginásio de esportes, cozinha e refeitório – foram levados pelo navio oceanográfico Ary Rongel e diversos outros navios da Marinha do Brasil. O nome da estação homenageia Luís Antônio de Carvalho Ferraz, comandante da Marinha do Brasil, hidrógrafo e oceanógrafo que visitou o continente Antártico por duas vezes a bordo de navios britânicos. Ferraz desempenhou importante papel ao persuadir o Brasil a desenvolver um programa antártico, o Proantar. Em 2004, a estação chegou ao ápice, com 60 módulos e capacidade de abrigar 48 pessoas. Entre os programas de pesquisa destacam-se os que permitiram estudar o impacto das mudanças ambientais globais na Antártida e suas consequências para as Américas, inclusive a Amazônia.
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