domingo, 17 de fevereiro de 2013

Uma semana de glória - Tom Zé [Memórias que viram histórias]

folha de são paulo

ARQUIVO ABERTO
Arquivo Pessoal
Tom Zé (2º da dir. para a esq. em pé) antes de jogo pelo E. C. Cruzeiro, onde atuava como lateral direito, em 1961
Tom Zé (2º da dir. para a esq. em pé) antes de jogo pelo E. C. Cruzeiro, onde atuava como lateral direito, em 1961
Uma semana de glória
Irará, 1958
TOM ZÉComo na imprensa quase não há mais quem tenha acompanhado a Copa do Mundo de 1950, vale a pena dizer que me emocionei com aquelas seguidas vitórias com placares de seis e sete gols.
Eu estava em Nazaré das Farinhas na final. Foi uma tarde mortal. O primeiro tempo de Brasil e Uruguai terminou em 0 a 0, o que era uma grande decepção porque a expectativa era que goleássemos.
Quando Friaça fez aquele 1 a 0 aos dois minutos do 2º tempo, meu tio João, que era coletor federal em Nazaré, subiu numa cadeira, rodando a camisa no ar e repetindo: "Com o empate nós ganhamos! Agora eles têm que fazer dois!"
E eles fizeram...
Depois do gol de Ghiggia, tio João conferiu o relógio: faltavam 11 minutos. Ele vaticinava: "Agora esse time vai começar a jogar e vai botar cinco nesses uruguaios!".
Os comentários depois diziam que os uruguaios marcaram severamente Zizinho e que o time perdeu a rota sem ele para armar.
Quando o Circo Voador me leva para cantar no Rio, me hospeda no mesmo hotel Paysandú onde ficou a seleção uruguaia de 1950. Na calada da noite, fico imaginando as conversas entre Máspoli, Varela, Ghiggia e Schiaffino; imagino que sussurravam para não desrespeitar o incomensurável luto nacional.
Eu ainda era menor de idade quando foi fundada a Liga de Futebol de Irará, na Bahia. Os times eram América, Pirajá, Bonsucesso e União. Eu torcia pelo Pirajá, que era o time do meu tio Beto, mas o América ganhava tudo.
Foi nesse mesmo Pirajá que eu tive uma semana de glória em 1958. Eu servira o Exército no ano anterior, no severo 19º Batalhão de Caçadores -"onde filhinho chora e mamãe não vê". O fato é que depois de um ano como soldado ganhei uma forma física que nunca poderia ter alcançado.
Ao ser dispensado do serviço militar e voltar para Irará, fui chamado para a seleção da cidade, que jogaria em duas semanas contra a de Serrinha. Eu seria o centroavante do selecionado.
Nós tínhamos um ponta-esquerda canhoto, o Delker, e armamos uma jogada que me deu a maior fama naquelas duas semanas de preparação. Delker está na foto, é o segundo agachado da esquerda para a direita. Eu sou o último em pé, à direita, ao lado do técnico Vandinho, que serviu pela FEB na 2ª Guerra. Do meu lado direito está Dega, meu primo, que chegou a jogar no Esporte Clube Bahia.
Como eu era "center-for", muita gente me dizia para marcar o beque central. Admirado, perguntava: não é o caso de fugir dele? Mas o "técnico" se punha a argumentar, e eu calava a boca. O centroavante ficava um pouco adiantado, e os dois pontas numa linha atrás dele.
Quando Delker recebia uma bola no meio do campo, se eu corresse para a esquerda, ficava um enorme espaço entre o lateral direito e o centro da defesa. Porque o zagueiro central tinha que ficar na sua posição, na meia-lua da área. Com a minha forma física de então foi possível que nós dois acabássemos com todas as defesas durante os treinos.
Eu fazia um ou dois gols por treinamento e algumas belas jogadas com Delker. Fiquei famoso entre os entendidos de futebol em Irará.
No dia do jogo nada deu certo; a fama acabou, quando fui substituído no primeiro tempo.
Essa foto já é de outra fase, de 1961. Passei a jogar em uma posição mais humilde, lateral direito, cuja única função naqueles tempos era marcar o ponta-esquerda.

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