Ludymilla Sá
Estado de Minas: 02/03/2013
Imagine o fim das doenças cardíacas e respiratórias, dos processos inflamatórias e até das células cancerígenas. Parece uma realidade distante, especialmente quando o assunto inclui o câncer, uma das moléstias mais temidas no mundo. Mas o fim desses males pode estar mais próximo do que pensamos. Uma equipe de pesquisadores liderada pelos cientistas Panos Anastasiadis e Arie Horowitz, da Clínica Mayo de Jacksonville, maior centro de clínica integrada do mundo, na Flórida (EUA), decodificou, inteiramente, o processo que regula o vazamento dos vasos sanguíneos, principal causa desses distúrbios, além de inflamações.
De acordo com o Anastasiadis, muitos processos patológicos têm impacto no vazamento dos vasos sanguíneos. No câncer, a causa, geralmente, é o excesso de produção do fator de crescimento vascular endotelial (VEGF) a partir das células cancerosas, que desestabilizam as células endoteliais, provocando o vazamento. "A vasculatura (sistema de vasos sanguíneos) que está associada a tumores, chamada neovasculatura, também é muito permeável devido, principalmente, à produção excessiva de fatores como VEGF pelas células cancerosas. O vazamento vascular pode também ser causado por vários patógenos, incluindo certos vírus que entram no cérebro interrompendo a barreira sanguínea, levando à encefalite. Um exemplo é o vírus ebola. Síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) e sepsis são outras condições relacionadas ao vazamento vascular nos pulmões", explica o estudioso.
Os pesquisadores descobriram que o VEGF é uma de duas moléculas diferentes que afetam, em algum ponto, uma proteína-chave, a syx, que regula a permeabilidade dos vasos sanguíneos. Esses, por sua vez, são constituídos de células endoteliais que precisam se acoplar, firmemente, para formar uma estrutura tubular sólida, através da qual o sangue possa fluir.
O VEGF, a grosso modo, desliga a syx. Sem a ela, a adesão entre as células é fraca e os vasos sanguíneos ficam mal vedados. Quando novos vasos sanguíneos são necessários, como para alimentar o crescimento de um tumor, por exemplo, o VEGF relaxa as células endoteliais, de forma que novos vasos possam brotar.
Depois que novas células são formadas, uma segunda molécula, a angiopoietina-1 (Ang1), trabalha para aglutinar as células novamente, segundo o pesquisador. "Essas moléculas têm efeitos opostos. O VEGF expulsa a syx das conexões entre as células, causando o vazamento, e a Ang1 a traz de volta, para estabilizar os vasos. Ao aumentar a sinalização de VEGF ou reduzir a Ang1, uma série de eventos biológicos é desencadeada, causando a remoção da syx das junções das células endoteliais que constituem os vasos. Quando a syx é removida, os vasos perdem a sua integridade e se tornam permeáveis."
De acordo com Anastasiadis, os médicos tentam regular esse processo por meio do uso de inibidores do fator de crescimento vascular endotelial (VEGF). O Avastin é um desses medicamentos, mas não tem se mostrado eficaz como poderia se outras partes do processo também fossem inibidas. "Vários mecanismos convergem para a syx afetar a debilidade e, mesmo na ausência de VEGF, um aumento de sinalização de proteína cinase D1 (PKD) ou uma diminuição de Ang1 podem induzir a debilidade. É por isso que o medicamento, tendo como alvo a VEGF, pode não ser tão eficaz. Tendo como alvo as etapas comuns do processo, os nódulos onde a sinalização VEGF e Ang 1 convergem, seria uma estratégia mais eficaz", acrescenta.
COMPLICAÇÕES Mas como combater o câncer se, no caso, o VEGF está ocupando todo o sistema? O pesquisador explica que a maioria dos pacientes de câncer que sucumbem à doença é por causa, sobretudo, de suas complicações: "Uma dessas complicações é a retenção de fluidos em cavidades do corpo que exigem drenagem, repetidamente, levando, consequentemente, ao desequilíbrio eletrolítico e a um ataque cardíaco. A retenção de líquidos é consequência do vazamento do vaso e pode ser controlada ao atuarmos no processo que descobrimos. Mais uma vez, ter como alvo os nódulos comuns no caminho do VEGF seria melhor do que visar o VEGF propriamente, pois isso pode ser facilmente contornado por outra sinalização associada ao câncer".
Anastasiadis acredita que a descoberta do processo que regula o vazamento dos vascos sanguíneos seja apenas um tijolo na longa estrada que leva à cura. Mas não desiste e revela ser uma luta pessoal. "Esse é um processo geral com importância para o câncer e outras condições patológicas. Nossa esperança é que, tendo esse processo como alvo, vai prevenir o câncer associado ao vazamento vascular, como retenção de líquidos e posterior morte. Essa luta é um tanto pessoal, pois meu pai faleceu alguns anos atrás de câncer de bexiga, devido a complicações de debilidade vascular", revela.
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