Anatomia de um crime
SÃO PAULO - Pelas primeiras informações divulgadas, seria o maior escândalo médico da história do país. Num consórcio macabro, médicos, funcionários e a direção de um hospital de Curitiba estariam assassinando pacientes na UTI para substituí-los por outros mais rentáveis e aumentar seu faturamento.
Profissionais foram presos e estão sendo investigados por homicídio doloso qualificado. Surgiram testemunhas descrevendo o inferno. Um delegado anunciou que checaria todos os óbitos ocorridos no hospital nos últimos sete anos.
A história era muito inverossímil desde o início, mas, à medida que o tempo foi passando, a polícia entrou em mais contradições que os suspeitos e o grande escândalo foi murchando. A motivação financeira foi a primeira a ser descartada. Depois, desapareceu misteriosamente o policial que havia sido infiltrado na UTI e, ao longo de dois meses, constatara os abusos. Agora, a polícia diz que obteve autorização judicial para fazer a infiltração, mas desistiu. Surgiu até um erro grave de transcrição no material coletado pelas autoridades.
Ainda é cedo para cravar que não houve nenhum tipo de delito, mas, aparentemente, só o que sobra são algumas declarações meio destrambelhadas da chefe da UTI. Há gravações que registram frases como "Quero desentulhar a UTI, que está me dando coceira". Isso é compatível com a síndrome do "burnout" (esgotamento), comum entre médicos, mas dificilmente uma prova material de assassinato.
Na verdade, se despirmos a frase de seus aspectos mais grosseiros, ficamos com uma verdade. As UTIs brasileiras, de um modo geral, retêm os pacientes por muito tempo. Por aqui, ainda é comum indicar cuidados intensivos para doentes terminais, o que implica altos custos não apenas financeiros como também morais e psicológicos. Essa é uma discussão que, por razões culturais, evitamos, mas deveríamos travar.
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