Estado de Minas- 02/03/2013
O ano de 2014 começou em fevereiro de
2013. O lançamento de candidaturas à Presidência da República pelas
principais legendas do país, PT e PSDB, respectivamente Dilma Rousseff e
Aécio Neves, e a divulgação de um novo partido, a Rede
Sustentabilidade, de Marina Silva, que carrega a representatividade dos
votos da última eleição, são sinais que merecem atenção. Não se trata da
mera antecipação do calendário eleitoral, de resto uma operação tão
antiga quanto a serra. A cada quatro anos, a eleição presidencial começa
dois anos antes.
O que há de distinto é o sentido dos dois
fenômenos. Por um lado, apontam para a continuidade histórica das
disputas partidárias brasileiras; por outro, pela sempre esperada
renovação da gramática política, com novo estilo de organização
ideológica e de relação o poder. A definição mais estrita de democracia,
no âmbito eleitoral, aponta para a disputa de diferentes projetos
congregados em partidos com vocação para o poder, que se dispõem ao
julgamento do cidadão em eleições livres. Ganha quem tiver mais votos
(de acordo com a legislação de cada país em patamares distintos) e, para
governar, criam-se alianças táticas e estratégicas que viabilizem
transformar a maioria em consenso.
Nesse sentido, o primeiro
sinal preocupante é dado pela forma como a polarização PT e PSDB se
apresenta para a sociedade. Em diversos países, e mesmo no próprio
Brasil em outros momentos da história, a tendência ao bipartidarismo não
paralisava a política, antes servia de acicate. Nos EUA há um estilo
republicano e um democrata; nosso país já foi meio pessedista, meio
udenista e meio conservador, meio liberal, por exemplo; o par esquerda e
direita é operacional em vários contextos. No entanto, PT e PSDB, em
vez de escancarar suas visões de mundo, parecem ver mais proveito em
criticar os adversários. É esse equívoco que explica as picuinhas
recentemente lançadas de lado a lado.
A comemoração dos 10 anos
de governo do PT, com o discurso de palanque de Lula, e a resposta dada
pelo PSDB, via Aécio Neves na tribuna do Senado, foram muito mais
centrados nos defeitos do outro que nos méritos próprios. Não se trata
de estratégia, mas da fuga à política. O que os dois lados queriam
mostrar é que tinham os melhores candidatos. Lula lançou Dilma em meio a
bravatas; o PSDB parece ter aceitado Aécio, mas cobrou dele um
comportamento agressivo que não combina com sua trajetória e o torna
antipático. Ficaram assim, os dois candidatos, vendidos pelo marketing
eleitoral extemporâneo.
O momento é bom para começar o jogo
político que vai levar à eleição. O cidadão precisa é de mais verdade e
consequência. Num país efetivamente democrático, o que interessa é a
explicitação dos próprios projetos, não o desdouro dos adversários. O
eleitor precisa saber que PT e PSDB têm concepções distintas de
política, economia, administração pública, saúde, educação, habitação,
segurança pública etc. Cada partido defende uma maneira distinta de
comandar os destinos do país, dentro dos mesmos marcos institucionais.
Cabe ao eleitor escolher a mais eficiente e justa e cobrar para que a
máquina opere naquele sentido.
No Brasil centrado nos dois
partidos, há projetos que se contrapõem. O PSDB é um partido liberal e,
por isso, defende a propriedade acima de tudo, desconfia do Estado,
aposta na desregulamentação das relações de trabalho, defende as
privatizações, não acredita na prioridade das políticas de distribuição
de renda nem nos institutos de democracia direta, como conselhos e
orçamento participativo, por exemplo. Em matéria de ações populares,
defende sobretudo a liberdade de imprensa e alguns programas
compensatórios mais urgentes e pontuais. A fórmula é apostar na força da
economia e em seu potencial de crescimento, que, consequentemente,
derramaria seus portentos, com o tempo, para a maioria das pessoas. Acho
que os tucanos aceitariam, em tese, essa linha de atuação, mas parecem
ter pejo em defender abertamente algumas dessas teses.
Por outro
lado, o PT é um partido desenvolvimentista, que não vê o Estado como
problema, mas como parte da solução. Cabe ao Estado, frente a um cenário
de desigualdade, atuar para a inclusão do maior número de pessoas nos
benefícios da civilização, o que tem como estratégia a distribuição de
renda, de propriedade e de poder. A distribuição de renda incrementaria o
mercado interno e frearia a tendência à concentração, criando a tão
falada nova classe média, que passa a consumir e fazer girar a roda
virtuosa do consumo interno. Ao lado da distribuição de renda, o partido
defende instâncias diretas de participação e ações no âmbito dos
direitos humanos como instrumentos de democracia popular. Os petistas,
acredito, se reconheceriam nessas linhas, ainda que também prefiram se
esconder em alguns momentos de suas opções, sobretudo no que diz
respeito às reformas patrimoniais.
Depois de um par de governos
tucanos e petistas, já era para ficar patente essa distinção de
projetos. No entanto, os dois lados parecem mais aferrados na crítica
que na afirmação. O que cabe agora ao cidadão é exatamente julgar os
dois projetos, dentro da atual conjuntura da economia brasileira e do
cenário internacional, e dizer que rumo pretendem dar para os problemas
que os dois partidos ainda não resolveram.
Os tucanos não
fizeram do Brasil um país mais rico; os petistas não conseguiram acabar
com a injustiça social. Cabe ao próximo presidente ou presidenta, desde a
campanha, ser honesto sobre a utilização dos instrumentos do Estado que
terá em mãos, a partir da escolha livre dos eleitores. O Estado
brasileiro não dá conta dos problemas atuais, em termos de
infraestrutura e justiça social. Precisa ser reformado. É isto que o
cidadão precisa saber: o que o PT desenvolvimentista vai fazer, o que o
PSDB neoliberal vai fazer.
O jogo de só cantar vantagem e acusar o
oponente já cansou. O que não pode é o PSDB negar a política de
privatizações e o PT esconder a questão da inflação. É preciso ser
sincero sobre o que será feito com a saúde pública, com a educação, com a
cultura. E para quem serão destinados os recursos do povo administrados
pelo Estado. Os partidos pensam diferente e precisam assumir sua
singularidade.
Nova configuração
A
novidade do partido lançado por Marina Silva ainda está para ser
compreendida, mas de certa forma dialoga com o impasse apresentado
acima. É exatamente pelo fato de não termos partidos ideológicos
assumidos que as siglas se tornaram de fancaria. Ao propor a Rede
Sustentabilidade, Marina disse que seu partido não é de direita nem de
esquerda. Mais que fuga da ideologia, trata-se de um jeito diferente de
angular a questão política. Pode ser que exista algo novo por aí.
A
etiqueta de esquerda e direita, que de certa forma pode ser colada aos
grandes partidos em disputa, responde por uma lógica do tudo ou nada. O
partido que ganha leva tudo, o perdedor passa a organizar a oposição.
Esse modelo tem se mostrado, muitas vezes, distante da realidade
complexa de nossos tempos, em que muitos temas atravessam várias
dimensões, da economia ao comportamento. Questões como gênero, políticas
afirmativas e preservação do meio ambiente são de esquerda ou de
direita? Neoliberais ou socialistas?
É a impossibilidade de
responder a perguntas assim que tem levado a novas formas de exercício
da política. Em vez de disputar cargos na estrutura convencional, muitas
pessoas preferem se reunir em torno de temas específicos, que, depois
de enfrentados, levam à autodissolução das organizações criadas apenas
para aquele fim. É o caso de jovens que protestam contra o desemprego na
Europa, contra a caretice em BH, contra o preconceito em todo o mundo.
Essas pessoas querem fazer política, mas não querem saber de partidos.
O
momento é rico. Os grandes partidos são chamados à honestidade
intelectual sob pena de se tornarem obsoletos. As pessoas se motivam a
fazer política por outras vias e inauguram outras formas de
sociabilidade. A política já não é mais a mesma. Como sempre, os
políticos convencionais talvez sejam os últimos a perceber que o mundo
mudou. O ano que vem, que começou este ano, promete.
jpaulocunha.mg@diariosassociados.com.br
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