Se o destino dela dependesse unicamente do quesito simpatia e da boa
impressão causada na opinião pública, a médica Virgínia Helena Soares de
Souza já estaria condenada. Nas fotos que têm ilustrado as reportagens
sobre as mortes na UTI do Hospital Evangélico de Curitiba, a médica não
parece exatamente a encarnação daquele tipo de pessoa que gostaríamos de
ver rondando a nossa cama no hospital – ou mesmo o nosso guarda-sol na
beira da praia.
O cabelo muito curto, a maquiagem pesada nos olhos, a boca apertada e
o olhar congelado de psicopata de novela das oito contrastam
notavelmente com as roupas joviais e coloridas (blusa azul, saia
laranja) – compondo a bizarra figura de uma madrasta má fantasiada de
Branca de Neve.
Para piorar, Virgínia tem sido descrita como uma profissional
detestada pelos colegas, e mesmo a família admite que ela tem
“personalidade forte”. Entre as acusações que pesam sobre a médica, já
apelidada de Doutora Morte, há monstruosidades como a interrupção do
tratamento de um paciente do SUS para permitir que um paciente de
convênio ocupasse o mesmo leito e a “precipitação” da morte do próprio
marido – a quem ela sucedeu na chefia da UTI do hospital.
Se tudo der certo, e a cota de trapalhadas da investigação tiver se
encerrado com a constrangedora transcrição equivocada de um grampo
telefônico (a polícia foi obrigada a reconhecer que confundiu a palavra
“raciocinar” com “assassinar” em uma gravação divulgada para a
imprensa), o destino da doutora Virgínia será definido pela Justiça e
não pelas aparências.
ZERO HORA 02/03/2012
Seja ela culpada ou inocente, vampira de Curitiba ou vítima da
própria impopularidade, o certo é que o episódio pode ter ajudado a
confundir ainda mais o debate a respeito do direito a uma morte digna.
Quem assistiu ao filme Amor, de Michael Haneke, Oscar de filme
estrangeiro deste ano, deve ter saído do cinema se perguntando como
agiria no lugar daquele homem que vê a mulher agonizando ao seu lado.
Até onde cada um de nós seria capaz de ir para poupar alguém do
sofrimento? E que tipo de comprometimento é legítimo exigir de alguém
que esteja ao nosso lado nesse tipo de situação?
A eutanásia é um tema talvez ainda mais difícil de discutir do que o
aborto. Se há apenas dois caminhos para a vida, ser ou não ser, a
jornada que se encerra com a morte em um hospital pode ser
assustadoramente rápida ou dolorosamente lenta. Pode depender da
disposição do paciente para testar até o último recurso médico e do tipo
de informação que se tem sobre a doença e os tratamentos.
Está circunscrita a condições financeiras, apoio da família, empenho
da equipe médica, convicções morais e religiosas e mesmo traços de
personalidade do paciente e dos seus familiares.
Fala-se em “eutanásia”, crime previsto no Código Penal, quando a
morte de um paciente terminal é provocada por um determinado
procedimento, com ou sem consentimento da família, em “distanásia”
quando a vida (e o sofrimento) são prolongados artificialmente mesmo sem
perspectiva de recuperação e em “ortotanásia” (a morte correta) quando a
doença fatal segue seu curso, sem intervenções inúteis.
Não é fácil determinar esses limites e muito menos transformar em
lei o direito que cada um deveria ter de escolher as circunstâncias da
própria despedida, mas essa é uma discussão que ainda precisa ser feita
no Brasil – com bom senso e sem prejulgamentos.
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