sábado, 2 de março de 2013

CLÁUDIA LAITANO - O direito de escolher

Se o destino dela dependesse unicamente do quesito simpatia e da boa impressão causada na opinião pública, a médica Virgínia Helena Soares de Souza já estaria condenada. Nas fotos que têm ilustrado as reportagens sobre as mortes na UTI do Hospital Evangélico de Curitiba, a médica não parece exatamente a encarnação daquele tipo de pessoa que gostaríamos de ver rondando a nossa cama no hospital – ou mesmo o nosso guarda-sol na beira da praia.

O cabelo muito curto, a maquiagem pesada nos olhos, a boca apertada e o olhar congelado de psicopata de novela das oito contrastam notavelmente com as roupas joviais e coloridas (blusa azul, saia laranja) – compondo a bizarra figura de uma madrasta má fantasiada de Branca de Neve.

Para piorar, Virgínia tem sido descrita como uma profissional detestada pelos colegas, e mesmo a família admite que ela tem “personalidade forte”. Entre as acusações que pesam sobre a médica, já apelidada de Doutora Morte, há monstruosidades como a interrupção do tratamento de um paciente do SUS para permitir que um paciente de convênio ocupasse o mesmo leito e a “precipitação” da morte do próprio marido – a quem ela sucedeu na chefia da UTI do hospital.

Se tudo der certo, e a cota de trapalhadas da investigação tiver se encerrado com a constrangedora transcrição equivocada de um grampo telefônico (a polícia foi obrigada a reconhecer que confundiu a palavra “raciocinar” com “assassinar” em uma gravação divulgada para a imprensa), o destino da doutora Virgínia será definido pela Justiça e não pelas aparências.
ZERO HORA 02/03/2012


Seja ela culpada ou inocente, vampira de Curitiba ou vítima da própria impopularidade, o certo é que o episódio pode ter ajudado a confundir ainda mais o debate a respeito do direito a uma morte digna. Quem assistiu ao filme Amor, de Michael Haneke, Oscar de filme estrangeiro deste ano, deve ter saído do cinema se perguntando como agiria no lugar daquele homem que vê a mulher agonizando ao seu lado. Até onde cada um de nós seria capaz de ir para poupar alguém do sofrimento? E que tipo de comprometimento é legítimo exigir de alguém que esteja ao nosso lado nesse tipo de situação?

A eutanásia é um tema talvez ainda mais difícil de discutir do que o aborto. Se há apenas dois caminhos para a vida, ser ou não ser, a jornada que se encerra com a morte em um hospital pode ser assustadoramente rápida ou dolorosamente lenta. Pode depender da disposição do paciente para testar até o último recurso médico e do tipo de informação que se tem sobre a doença e os tratamentos.

Está circunscrita a condições financeiras, apoio da família, empenho da equipe médica, convicções morais e religiosas e mesmo traços de personalidade do paciente e dos seus familiares.

Fala-se em “eutanásia”, crime previsto no Código Penal, quando a morte de um paciente terminal é provocada por um determinado procedimento, com ou sem consentimento da família, em “distanásia” quando a vida (e o sofrimento) são prolongados artificialmente mesmo sem perspectiva de recuperação e em “ortotanásia” (a morte correta) quando a doença fatal segue seu curso, sem intervenções inúteis.

Não é fácil determinar esses limites e muito menos transformar em lei o direito que cada um deveria ter de escolher as circunstâncias da própria despedida, mas essa é uma discussão que ainda precisa ser feita no Brasil – com bom senso e sem prejulgamentos.

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