Bruna Sensêve
Estado de Minas: 02/04/2013
O transplante de células da medula óssea em pacientes com doenças autoimunes reumatológicas, como lúpus, esclerose sistêmica e artrite reumatoide, divide opiniões na comunidade médica. O procedimento é, hoje, muito usado em pacientes com tumores hematológicos graves e que têm como principal chance de sobrevivência a arriscada “reprogramação do sistema imunológico”. Perigosa porque, antes do transplante, o paciente é submetido a uma intensa terapia imunossupressora, em que todas as defesas do organismo são devastadas e dão lugar a um novo exército de células sem qualquer informação prévia das antigas batalhas. O corpo fica frágil e passível de infecções e invasões de microorganismos estranho até que receba os novos grupamentos de células defesa. A teoria do combate é perfeita. A grande questão está em saber quais pacientes podem resistir a essa última grande batalha.
Na busca pelo uso dessa terapia em pacientes que sofrem com a esclerose sistêmica, um grupo formado por pesquisadores brasileiros e norte-americanos publica, na edição desta semana da revista The Lancet, novidades para a aplicação e a triagem de pacientes passíveis ao tratamento. Atualmente, a esclerose sistêmica mostra-se especialmente interessante para a evolução clínica desses transplantes, já que os resultados das estratégias atuais contra o mal, incluindo os das terapias biológicas, são muitas vezes insatisfatórios. Após uma análise retrospectiva de 90 indivíduos transplantados e acompanhados em média por três anos, cientistas brasileiros e americanos que participam da equipe de pesquisa concluíram que o procedimento não é indicado a pacientes com esclerose sistêmica difusa ou limitada e comprometimento cardíaco grave.
O passo parece pequeno e a conclusão sem tanta relevância para o todo, mas a atual coordenadora do time brasileiro, Belinda Simões, esclarece ao Estado de Minas que, agora, a grande definição necessária para a aprovação do uso clínico do transplante de células-tronco é descobrir quem pode e quem não pode se submeter ao tratamento. “Sempre quando você oferece uma terapia nova, ela tem benefícios e riscos. Nesse caso, conseguimos demonstrar que pacientes com comprometimento cardíaco têm um risco muito grande.”
Sobrevida Do total de 90 pacientes que participaram da pesquisa, 35 estão no Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto (HCFMUSP-RP) e outros 55, na Universidade de Northwestern, em Chicago, nos Estados Unidos. As duas instituições trabalham em parceira há quase uma década para garantir a exatidão da técnica e os parâmetros de uso do transplante em indivíduos que sofrem de esclerose sistêmica. O trabalho teve início com o professor Richard Burt, chefe da Divisão de Medicina Imunoterápica para Doenças Autoimunes da universidade americana, e o pesquisador brasileiro Júlio Voltarelli, morto há um ano.
Cinco (6%) dos voluntários que participaram do estudo recente morreram de causas relacionadas com o tratamento, sendo quadro devido a complicações cardiovasculares. A quinta morte foi seguida de uma infecção sem doença cardíaca subjacente documentada. A sobrevivência dos pacientes foi de 78% em cinco anos e a sobrevida livre de reincidência da doença foi de 70% em cinco anos. Ao comparar os pacientes transplantados e o estágio da doença em que estavam antes do tratamento, foram observadas melhorias significativas com o tratamento. A elasticidade da pele e a capacidade vital foram reforçadas. Não houve um incremento da capacidade pulmonar total, mas uma estagnação do processo destrutivo da doença pode ser percebido. Essas características benéficas do tratamento são importantes para aliviar os principais sintomas da doença (leia Para saber mais).
Indicação O coordenador da Comissão de Esclerose Sistêmica da Sociedade Brasileira de Reumatologia, Percival Degrava Sampaio Barros, explica que o transplante de medula óssea inicialmente tinha uma mortalidade muito elevada, cerca de 20% ou mais. Porém, com a melhoria da qualidade do procedimento e a diminuição dos riscos para o paciente, ele passou a não ser destinado somente aos portadores de tumores hematológicos graves e começou a ser testado para outras doenças autoimunes. “O que a gente discute é que, hoje em dia, não é possível encaminhar todos os pacientes com quadro de pele ou pulmão. É um número muito grande. Temos que tentar escolher quais são as pessoas que vão responder ao tratamento convencional. Como o transplante não é um procedimento tão simples, não é o objetivo que ele seja usado em todos os pacientes”, detalha Barros.
Ele afirma que o ideal é saber pelos testes qual o paciente que não responderá bem ao tratamento convencional, mas nem sempre isso é possível. “Muitas vezes, descobrimos isso só depois que o paciente usou a medicação e não surtiu efeito. A minha preocupação não é do procedimento não funcionar. Ele funciona.” A questão seria, de acordo com Barros, não expor as pessoas à terapia mais agressiva quando o tratamento convencional pode ser da mesma forma efetivo. “Temos que ficar bastante atentos para pegar o mais precoce possível aquele paciente que não vai responder à medicação porque ele pode ser submetido a um tratamento um pouco mais agressivo, que baixa mais a imunidade.”
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