Medo que dá medo
Muitas mães estão com medo de que os seus filhos sintam medo. Pedem para a escola não contar determinadas histórias e para trocar a indicação do livro que o filho deve ler. Elas também não deixam que as crianças assistam a filmes que, seja qual for o motivo, provoquem medo. Basta que o filme veicule uma ideia: nem precisa conter cenas aterrorizantes.
Essa reação dos pais leva a crer que o medo é necessariamente provocado por um motivo externo à criança e que é uma emoção negativa que os pequenos não devem experimentar. Vamos pensar a esse respeito.
Primeiramente, vamos lembrar que toda criança pequena sentirá medo de algo em algum momento de sua vida. Medo do escuro, medo de perder a mãe e medo de monstro são alguns exemplos. E esses medos não serão originados necessariamente por causa de uma história, de uma situação experimentada ou de um mito. Esses elementos servirão apenas de isca para que o medo surja.
Tomemos como exemplo o medo do escuro. De fato, é na imaginação da criança que reside o que nela lhe dá medo; o escuro apenas oferece campo para que essas imagens de sua imaginação ganhem formato, concretude.
É que, no escuro e em suas sombras, a criança pode "ver" monstros se movimentando e até "ouvir" os rugidos ameaçadores dessas figuras. No ambiente iluminado, tudo volta a ser a realidade conhecida porque a imaginação deixa de ter seu pano de fundo. Os rugidos dos monstros voltam a ser os sons naturais do ambiente. E as monstruosas imagens são diluídas pela claridade.
E por que é bom a criança experimentar o medo desde cedo? Porque essa é uma emoção que pode surgir em qualquer momento da sua vida e é melhor ela aprender a reconhecê-la logo na infância para, assim, começar a desenvolver mecanismos pessoais de reação.
A criança precisa reconhecer, por exemplo, o medo que protege, ou seja, aquele que a ajudará a se desviar de situações de risco. Paralelamente, precisa reconhecer o medo exagerado que a congela, aquele que impede o movimento da vida e que exige superação.
É experimentando os mais variados medos que a criança vai perceber e aprender que alguns medos precisam ser respeitados pelo aviso de perigo que dão, enquanto outros medos exigem uma estratégia de enfrentamento que se consegue com coragem.
A coragem, portanto, nasce do medo. E quem não quer que o seu filho desenvolva tal virtude?
Por fim, é bom lembrar que, muitas vezes, a criança procura sentir medo por gostar de viver uma situação que, apesar de difícil, ela pode superar. Cito como exemplo um mito urbano que provoca medo em muitas crianças na escola: "a loira do banheiro". Para quem não a conhece, é a imagem de uma mulher que assusta as crianças quando elas vão ao banheiro.
Uma escola decidiu acabar com esse mito. Por meio de várias estratégias conseguiu convencer os alunos de que isso não existia. Alguns meses depois, as crianças construíram outro mito para que pudessem sentir o mesmo medo que experimentavam quando se viam perseguidos pela "loira do banheiro".
E quantas crianças não choram de medo depois de ouvir uma história e, no dia seguinte, pedem aos pais que a contem novamente?
Conclusão: o que pode atrapalhar a criança não é o medo que ela sente, e sim o medo que os pais sentem de que ela sinta medo. Isso porque a criança pode entender que os pais a consideram desprovida de recursos para enfrentar os medos que a vida lhe apresenta.
Rosely Sayão, psicóloga e consultora em educação, fala sobre as principais dificuldades vividas pela família e pela escola no ato de educar e dialoga sobre o dia-a-dia dessa relação. Escreve às terças na versão impressa de "Equilíbrio".
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