Músicos e arranjadores mineiros defendem a
pesquisa de novas sonoridades e o uso criativo de instrumentos pouco
convencionais para ampliar as possibilidades da arte
Ana Clara Brant
Estado de Minas: 02/04/2013
Dilruba, sitar, afuche, harmônio, surbahar,
patangome. Nomes que podem até soar estranhos, mas, musicalmente
falando, o som é outro. Isto porque estes objetos são instrumentos
musicais não muito usuais para a maioria dos artistas, mas nem por isso
menos importantes e interessantes do que um piano, uma flauta, uma
bateria ou um violão. Para o compositor e multi-instrumentista Marcus
Viana, pesquisador do assunto, o desconhecimento por boa parte das
pessoas se deve ao fato de que no Brasil tudo chega atrasado. “Somos uma
colônia, então tudo chega depois para a gente. Muita coisa que descubro
é por meio de minhas pesquisas pelo mundo. Gosto muito de misturar
vários tipos de instrumentos, como, por exemplo, os não convencionais
com os convencionais. Tenho essa necessidade de ter um som diferente,
fora do mercado. Senão fica aquela coisa comum: baixo, bateria e
guitarra”, diz.
Uma das áreas com mais variedade de instrumentos é
a percussão. E foi isso que chamou a atenção de Daniela Rennó, que
deixou a comunicação social para se dedicar à música. A percussionista e
compositora se interessou, primeiramente, pelo som do tambor africano.
Depois do contato com o pessoal do Uakti, ingressou no aprendizado da
tabla, instrumento indiano de percussão. “Cada cultura tem um arsenal de
instrumentos, ainda mais de percussão. Acho que é o naipe com maior
variações, porque você consegue transitar mais na melodia, você pontua
mais. Passei por tudo um pouco: música indiana, cubana, toquei pandeiro.
Acho isso muito importante para qualquer artista”, aconselha. Mas
Daniela se encontrou mesmo foi no vibrafone, um idiofone – categoria de
instrumentos musicais cujo som é produzido pelo próprio corpo do
instrumento – composto de diversas teclas de metal montadas em um
suporte sobre tubos que servem para amplificar o som. “Ele me chamou a
atenção porque me abriu um mundo melódico e harmônico. É instrumento
muito interessante e, depois de ter tocado tanta coisa, porque a gente
acaba virando colecionador, me dediquei mais ao vibrafone”, conta
Daniela, que é proprietária do Estúdio Acústico.
Além de
tocar instrumentos considerados inusitados para a maioria das pessoas,
Raja Singh é luthier e se especializou em verdadeiros tesouros musicais
da Índia. Sitar, dilruba, surbahar e tanpura são alguns dos instrumentos
que são produzidos por ele em seu ateliê no Bairro Glória, em Belo
Horizonte. Apesar de não ter nenhuma ligação familiar com a Índia – ele é
brasileiro e adotou o nome Raja Singh Khalsa desde que enveredou pelo
ramo de fabricação dos instrumentos – o “sitar maker”, como também é
chamado, sempre foi encantado com a música oriental. Depois de uma
temporada indiana, voltou ao Brasil e decidiu se tornar artesão da
música em 2004.
“Sou autodidata, porque aprendi a
confeccionar sozinho os instrumentos. A matéria-prima é toda daqui de
Belo Horizonte e faço tudo: lixo, corto, colo, dou polimento, trabalho a
madeira. Levo cerca de 30 dias para produzir um único instrumento e
tenho recebido muitos elogios e comentários, até mesmo de gente da
Índia.” Ele conta que mesmo na Índia a fabricação de instrumentos
tradicionais está acabando. “Eles têm optado muito pelos ocidentais,
como guitarra, baixo e bateria”, revela Raja, que vai se dedicar em
breve à produção do rudra veena. “Vai ser o meu grande desafio. Ele é o
pai de todos instrumentos e é de extrema dificuldade para ser feito”,
afirma.
Diversidade
A
sonoridade curiosa e exótica não é privilégio apenas dos instrumentos
pouco usuais, mas também pode ser extraída dos mais tradicionais. E até
mesmo de objetos do dia a dia, como lembra o violonista, compositor e
arranjador Geraldo Vianna. Para ele, há uma curiosidade do ser humano
pela produção do som e tudo emite algum barulho próprio. “Existe uma
inquietação e uma necessidade em criar novos sons. Qualquer coisa pode
virar um instrumento. Uma panela, taças de vidro, talheres, o próprio
andar em um piso. Mas isso deve estar associado ao bom gosto estético. A
criação sonora tem que agir em função da música”, ressalta.
Geraldo
Vianna acrescenta que é possível descobrir e desenvolver novas
possibilidades sonoras mesmo nos instrumentos mais convencionais. Pelo
fato de trabalhar com arranjos, está sempre em busca de inovação. “O que
importa, no fim das contas, é a musicalidade e o conhecimento. O
experimentalismo gratuito, seja com um instrumento tradicional ou não,
não vai acrescentar musicalmente. Para mim, música é isso. Não pode ter
medo de inventar, tem que ter arrojo”, aconselha.
Criação coletiva
Minas
Gerais tem dois grupos reconhecidos por experimentar e inovar no
quesito sonoridade. Criado no fim da década de 1970 por Marco Antônio
Guimarães, Artur Andrés Ribeiro, Paulo Sérgio Santos e Décio Ramos, o
Uakti utiliza instrumentos musicais não convencionais, construídos pelo
grupo, a partir de materiais como vidro, tubos de PVC, rodas de
bicicleta e até colunas de água, que têm sonoridade própria e
conquistaram público em todo o mundo. O Uakti desenvolveu trilhas para
balés e filmes, além de arranjar temas de música erudita e canções dos
Beatles para os instrumentos criados por Marco Antônio Guimarães.
Já
O Grivo, formado por Nelson Soares e Marcos Moreira, nasceu do
interesse em expandir o universo sonoro e descobrir maneiras diferentes
de organizar improvisações. O grupo trabalha com pesquisa de fontes
sonoras acústicas e eletrônicas, com a construção de máquinas e
mecanismos sonoros, e com a utilização, não convencional de instrumentos
musicais tradicionais. Saiba mais sobre os grupos: www.uakti.com.br e
www.ogrivo.com
Outros timbres
Sitar
Cordofone
muito popular no Norte da Índia. Pode ter de três a sete cordas e é
acompanhado muitas vezes pelas tablas (instrumento de percussão).
Surbahar
Muitas
vezes conhecido como baixo sitar, é um instrumento de cordas dedilhadas
usado na música clássica indiana. É intimamente relacionado com a
sitar, mas tem um tom mais encorpado, grave, e permite notas mais
longas.
Dilruba
É um cruzamento do sitar com um instrumento
mais antigo chamado sarangi. Do primeiro, herda o encordoamento e o
braço (embora mais curto); e do segundo o ressonador. É tocado à
semelhança de um violino, com um arco chamado gaz.
Tanpura
Instrumento
de cordas dedilhadas da Índia, usado para manter zumbido constante.
Feito de uma cabaça grande, a partir do qual emerge um mastro de
madeira. Tem quatro cordas, embora excepcionalmente existam tanpuras de
cinco cordas.
Rudra veena
Considerada a mãe de todos os
instrumentos de cordas indiano. Tem corpo tubular oco chamado de dandi,
sobre a qual são colocados 24 trastes. Há, anexado ao dandi tubular,
dois ressonadores ocos.
Erhu
Instrumento musical originário da
China com duas cordas e tocado com arco (normalmente feito com crina de
cavalo). É também chamado de violino chinês.
Afuche
Idiofone
percutido, tradicional do Brasil e de origem africana. É constituído por
uma cabaça ou corpo de madeira, rodeado por bolinhas (que podem ser de
materiais diversos), ligadas por uma espécie de malha.
Harmônio
Instrumento
musical de teclas e chaves, dotado de fole, cujo funcionamento é muito
similar ao de um órgão, mas sem os tubos que caracterizam este último.
De pequeno porte, o som do harmônio é parecido com o do acordeom.
Nenhum comentário:
Postar um comentário