terça-feira, 2 de abril de 2013

MARIA ESTHER MACIEL » Os cães de Paris‏


Estado de Minas: 02/04/2013 


É muito comum ver, nas ruas de Paris, mendigos sentados perto de caixas eletrônicos, padarias e supermercados. Serenos, não incomodam ninguém. Apenas ficam lá, quietos, à espera de uns trocados ou outra coisa qualquer. Alguns se comprazem em observar o entorno, atentos ao movimento da cidade. Outros leem um jornal ou um livro, como forma de passar o tempo. Muitos (acho que a maioria) estão acompanhados de cães, também tranquilos. Nestes dias de frio intenso, homem e cachorro ficam bem juntos, encostados um no outro. Por vezes, compartilham um sanduíche ou um pedaço de pizza, em explícita cumplicidade.

Os cães, aliás, compõem a vida de Paris. Eles não costumam perambular sozinhos pelas ruas, em situação de abandono, mas estão sempre acompanhados de pessoas. Podem ser vistos, inclusive, em restaurantes, com seus donos. Geralmente, deitam-se sob a mesa ou até em cima de uma cadeira. Ninguém parece se perturbar com a presença deles. Certo dia, num restaurante onde almoçava com meu marido, apareceu uma mulher com um cachorrinho dentro da bolsa, apenas com a cabeça de fora. Ficou ali o tempo todo, recebendo, de vez em quando, algum petisco da mesa. Uma cena memorável.

Baudelaire, meu poeta francês preferido, falava muito de cães em seus poemas. O mais interessante deles, sem dúvida, é o poema em prosa intitulado “Os bons cães”, em que ele faz uma apologia dos vira-latas. Avesso aos “cães bonitinhos”, acomodados em almofadas de seda, ele evoca os cachorros pobres e sem casa – verdadeiros “filósofos de quatro patas” – que encontram nos homens miseráveis sua melhor companhia, como se um dissesse para o outro: "Leve-me contigo, e de nossas duas misérias faremos, talvez, uma espécie de felicidade."

Em Paris, os cães têm até um cemitério. Fica em Asnières, a noroeste da cidade, na margem esquerda do Rio Sena. É longe, mas de metrô é possível chegar em menos de meia hora. O lugar é muito bonito, com um portal em estilo art nouveau e muitas árvores. Existe desde 1899 e é considerado o primeiro cemitério do gênero. Lá estão enterrados milhares de cães, gatos e outros animais de estimação. Entre os mortos estão animais ilustres, como o cão Rin-Tin-Tin, que se tornou estrela de cinema, e um cão herói do exército de Napoleão, de nome Moustache. Este recebeu um túmulo pomposo. Há também inúmeras sepulturas de animais comuns, como as de Milou, Sherazaade, Caline, Kiki, Rita, Nini e Sophie, nas quais estão inscritas mensagens belas e afetuosas. Até Platão, Sócrates, Ulisses e Rimbaud estão lá.

Mas o túmulo mais impressionante, a meu ver, é o de um cachorro chamado Hector (1992-2005), que mereceu o seguinte epitáfio: “Você foi o que de mais belo aconteceu na minha vida”. Mesmo passados oito anos de sua morte, o túmulo tem velas acesas e 12 vasos de flores viçosas, que indicam visitas recentes. Outro dado curioso é a presença de gatos vivos no cemitério. Um gato preto de olhos verdes surpreendeu-me perto do túmulo do cão Eliot. Porém, não tive medo. Outro, marrom, correu por entre os ciprestes e sumiu.

Soube que um cachorro errante e sem nome veio a morrer na porta do cemitério, em 1958. Ganhou, da direção, uma sepultura. Hoje, é um dos cães heróis do lugar. Bem que podia se chamar Baudelaire.


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