Micro-organismo desenvolvido em
laboratório adapta-se melhor às células humanas do que às das aves. Essa
descoberta sinaliza que pode ocorrer transmissão entre as pessoas
Roberta Machado
Estado de Minas: 25/04/2013
Um consórcio
internacional de pesquisadores alerta hoje, na revista Nature, que a
versão transmissível por mamíferos do vírus H5N1 tem uma preferência 200
vezes maior por se instalar em humanos do que em aves. A cepa mutante
da gripe aviária usada no estudo foi criada em laboratório em 2011, num
controverso experimento que buscava mostrar como a doença pode evoluir
para infectar pessoas. A nova descoberta revela a capacidade de a gripe
aviária se adaptar em tipos especializados e ainda mais virulentos para
humanos do que os já existentes.
A gripe aviária costuma ser
transmitida de pássaros doentes para pessoas no manuseio e no consumo
dos animais. Mas raros casos de infecção entre pessoas já foram
identificados, alertando para a possibilidade de uma possível epidemia.
Criando uma forma mutante do H5N1, os pesquisadores Yoshihiro Kawaoka,
da Universidade de Tóquio, e o holandês Ron Fouchier, do Centro Médico
Erasmus, na Holanda, conseguiram mostrar como uma mudança nos genes dos
compostos hemaglutinina e polimerase resultou em um recombinante
transmissível entre furões diretamente pelo ar.
Na época, o Painel
Consultivo sobre Biossegurança dos Estados Unidos (NSABB) pediu que os
veículos “omitissem os detalhes sobre a metodologia científica e as
mutações específicas dos vírus no estudo”, adiando a publicação dos
resultados. A organização temia que a metodologia usada na pesquisa
fosse usada na criação de uma arma biológica eficiente contra humanos.
Os trabalhos foram publicados em maio e junho do ano passado, e as
pesquisas, retomadas em janeiro deste ano.
Na pesquisa divulgada
hoje, Kawaoka e um grupo de cientistas sintetizaram as mesmas quatro
mutações da recombinante desenvolvida em 2011 e cultivaram a
hemaglutinina mutante nas células. O componente observado é essencial
para a ligação do vírus aos receptores de células, causando a infecção.
Em laboratório, os pesquisadores observaram que a proteína mutante usa
uma estrutura em forma de cristal para atacar as células, e puderam
estimar como ela levaria a gripe a se desenvolver em um organismo.
O
subvírus laboratorial mostrou-se 200 vezes mais potente contra as
células humanas do que em pássaros. A eficiência do H5 mutante no
organismo humano, ressalta a pesquisa, é comparável aos vírus
responsáveis pelas epidemias de 1918 e 2009. “Se um mutante evoluiria
naturalmente, ainda não é sabido”, ressalta John Skehel, do MRC National
Institute for Medical Research, da Inglaterra, e um dos autores do
estudo. “O que faz um vírus perigoso ainda não é completamente
compreendido. O que parece claro é que combinações de mutações em
diferentes genes de vírus influenciam na severidade da infecção.”
A
gripe criada em laboratório também mostrou uma transmissão mais fraca
em aves do que o H5N1 original. Para os pesquisadores, essa mudança pode
indicar uma tendência de a gripe aviária se adaptar em uma cepa
personalizada para receptores humanos. “Observações similares de fato
têm sido feitas com vírus H1N1. Para infectarem de forma eficiente,
vírus precisam se ligar de forma eficiente às células. Esse é o primeiro
passo da infecção. Todos os vírus continuam a otimizar essa habilidade
em resposta às mudanças em diferentes espécies que infectam”, observa
Skehel.
O autor do estudo ainda ressalta que os resultados da
pesquisa podem ser usados para detectar novos vírus que escapem da
imunidade induzida por vacinas ou ainda aos que são resistentes à
proteção. A compreensão do potencial da gripe aviária contra humanos,
aponta o virologista, poderia garantir o desenvolvimento e a produção de
vacinas mais eficientes contra os subtipos que representam maior
potencial para infectar pessoas.
Identificada origem da cepa mais letal na China
Cientistas
chineses identificaram as origens do vírus H7N9, que, de acordo com o
último levantamento do governo chinês, infectou 108 pessoas e matou 22
no país desde o mês passado. A pesquisa, comandada pelo Laboratório
Nacional de Referência de Gripe Aviária e outros institutos, sequenciou o
genoma do subtipo e apontou que a H7 pode ser fruto da mutação de
várias cepas do vírus, inclusive algumas que só infectavam aves. Nesta
semana, a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou o novo vírus
como a grupe aviária mais letal dos últimos anos.
De acordo com a
OMS, a cepa H7N9 é transmitida entre aves e humanos com mais facilidade
que o H5N1, mas ainda não há provas da transmissão entre humanos.
“Queremos observar que, se a transmissão limitada de pessoa para pessoa
for demonstrada no futuro, isso não seria realmente surpreendente”,
alertou Keiji Fukuda, assistente de saúde da OMS.
Fukuda ressaltou
que pesquisadores e oficiais de saúde estão se dedicando a estudar o
H7N9 e que estão “começando a entender o vírus”. Os primeiros resultados
dos esforços para conter a doença foram divulgados hoje pela Academia
de Ciência Chinesa em uma pesquisa que isolou e examinou os genes do
H7N9, descobrindo sua origem. Cientistas chineses examinaram 970
amostras de mercados e fazendas em Xangai e na província de Anhui,
incluindo água, fezes, solo e secreções dos animais, e identificaram 20
provas contaminadas de galinhas, de pombos e do ambiente onde os bichos
eram criados e comercializados. As amostras foram submetidas a uma
análise genética, que comparou a nova variante com outros tipos de gripe
aviária. O vírus H7 revelou seis genes derivados da variante H9N2, um
subtipo com baixo poder patogênico, mas que já infectou humanos.
Comparações
com o banco de dados genético apontaram que o novo vírus tem
características parecidas com as dos vírus H7N3, H4N9 e N11N9, comuns em
patos. No entanto, a origem da hemaglutinina e da enzima neuraminidase
do H7 ainda não foi identificada. A proteína, de acordo com a pesquisa,
tem características encontradas na gripe humana, o que teria dado ao
vírus a capacidade de infectar pessoas. A replicação do vírus em humanos
teria reforçado essa aptidão, aumentando sua virulência e mortalidade.
Para
conter o contágio e até mesmo uma possível pandemia do novo vírus, a
pesquisa recomenda medidas como a vigilância de hospedeiros humanos, o
controle de animais, o fechamento de mercados de aves e o fim dos abates
de aves nas áreas afetadas. O mercado de animais vivos de Xangai foi
fechado no último dia 6, resultando no que a OMS classificou como
“diminuição dramática” das infecções em humanos. Os cientistas chineses
pedem ainda pela avaliação do poder de transmissão da gripe H7, assim
como o desenvolvimento de vacinas e antivirais. (RM)
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