quinta-feira, 25 de abril de 2013

Eduardo Almeida Reis - Fascínio‏

Na primeira redação em que trabalhei, a máquina era a disponível, manual, mas havia algumas da marca Royal 


Eduardo Almeida Reis

Estado de Minas: 25/04/2013 

Minha Remington (relativamente) portátil virou peça de museu. Basta dizer que foi presente do meu pai quando fiz 12 anos. Presente que não me agradou, porque o pedido era de moto Harley Davidson azul, à venda na Mesbla na Rua do Passeio, no Rio de Janeiro, onde foi comprada a máquina de escrever. O leitor precisava ter visto o fascínio que a Remington exerceu sobre os meus netos, dia desses, quando descobriram que “aquilo” escreve. No princípio mal se viam as letras, porque a fita, velha de mais de 14 anos, está ressecada na parte exposta. Depois, começaram a aparecer palavras pretas ou vermelhas, quando o avô se lembrou da alavanquinha que muda do preto para o vermelho. E o neto menor descobriu que o teclado não tem o algarismo 1. “Tenta o L minúsculo”, sugeriu o avô: funcionou! E dizer que foi com aquela máquina, no ano de mil novecentos e muito antigamente, que tudo começou. Não me lembro quando comprei a segunda máquina, usada, elétrica, mas tenho foto do jovem philosopho, já casado, ainda escrevendo na Remington, publicada quando fui entrevistado pelo finado Diário Carioca. Virou quadro.

No trabalho, a partir dos 18 anos, a vítima era uma Royal não portátil, que só faltava soltar fumaça na velocidade em que era teclada. Havia, é certo, a fumaça dos charutos permitidos naquele tempo, mesmo nos recintos fechados com ar-condicionado central. Lá estive no trabalho depois que me demiti (a pedido) e todos os funcionários do departamento tinham IBM 82-C ou IBM 96-6, com o seguinte detalhe: a maioria não sabia escrever uma palavra. Na primeira redação em que trabalhei, a máquina era a disponível, manual, mas havia algumas da marca Royal, com as quais sempre me dei bem. Matérias caprichadas, exigindo consulta a livros e anotações, eram escritas numa Royal levada para a mesa da “sala da televisão”, geralmente vazia, porque a tevê brasileira gatinhava. E havia os gritos: “Paralisar é com esse ou com zê?”, respondidos pelos mais informados. Na história do jornalismo pátrio ficou famosa a consulta de um foca, aos berros, na redação de um vespertino. Alta madrugada, pois os vespertinos só rodavam dia claro e circulavam no final da manhã, o rapaz gritou: “Diletantismo! O que é diletantismo?”. Seu chefe de redação, professor de português que só escrevia a lápis, sem tirar os olhos do papel em que redigia, gritou de lá: “É o sujeito dar sem ser veado”. Excelente mestre!, hoje nome de rua. Existe melhor explicação para diletantismo?


Preocupante
Amanheço cantando tangos, boleros, sambas e árias de óperas. Ao dealbar da aurora e mesmo dealbado o dia, a leitora pode me encontrar cantarolando enquanto preparo o café e o desjejum, depois dos inevitáveis remedinhos, que são poucos. Aceso o primeiro charuto, a cantoria vai de grota por ser incompatível com ato de fumar. Não que prejudique a voz: Enrico Caruso, em seus contratos, exigia o direito de fumar charutos nos camarins. O baixo Italo Tajo só deixava o charuto na hora de entrar em cena. O cantarolar, que originou o título “Preocupante” deste belo suelto, foi o seguinte: no dia em que componho estas bem traçadas amanheci cantando “Toda una vida, me estaría contigo, no me importa en que forma, ni como, ni donde, pelo junto a ti”. Ao calçar as botinas que ganhei do acadêmico Olavo Romano, macias, caríssimas, feitas sob medida numa loja dr. Scholl de BH – faz frio e as botinas me esquentam as patas –, prossegui: “No me cansaría de decirte siempre, pero siempre, siempre, que eres em mi vida ansiedad, angustia y desesperación”. Onde a preocupação despertada pela cantoria? É fácil de explicar. Primeiro, porque nunca foi música do meu especial aprazimento e acertei a letra inteirinha, como confirmei mais tarde no abençoado Google. Depois, porque esse negócio de estar toda uma vida contigo, Freud explica, deve indicar uma vida muito rápida, curtíssima, a partir do dia da cantoria. Sem falar da imbecilidade de passar toda uma vida ao lado de alguém que representa ansiedade, angústia, desesperação. 

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