SÃO PAULO - Os escritores e leitores brasileiros ganharam um grande aliado, ainda que involuntário, na campanha pela aprovação do projeto que impede a censura de biografias: o rei Roberto Carlos.
No início do mês, os advogados do cantor enviaram uma notificação extrajudicial em que pediam a interrupção da venda do livro "Jovem Guarda: Moda, Música e Juventude", de Maíra Zimmermann, lançado pela Estação das Letras e Cores.
O pedido foi feito simplesmente porque o cantor ficou incomodado com a caricatura por meio da qual foi retratado na capa do livro. Segundo um dos seus advogados, como não foi autorizado, o desenho viola o direito de imagem de Roberto Carlos.
O motivo é tão mesquinho e despropositado (ainda mais para alguém que cultiva a própria imagem com declarações profundas, como a de que não vive "sem beijo e sem sorvete") que acaba por expor de um modo categórico o tamanho do absurdo da legislação atual, um enorme atentado à liberdade de expressão e à memória do país.
Segundo a lei em vigor, de 2002, biografias só podem ser publicadas com autorização do biografado ou, se ele já estiver morto, de seus herdeiros. Ou seja, apenas os textos que agradam integralmente ao biografado, na maioria das vezes laudatórios, conseguem ser publicados.
O impacto disso é brutal no estudo da história do Brasil, onde vários livros já foram cassados e tantos outros deixaram de ser produzidos ou editados. Imagine, por exemplo, alguém ter de pedir autorização para Fernando Collor para escrever sobre sua vida ou ter de convencer dona Marisa para conseguir mostrar a influência de Rose Noronha, ex-secretária de Lula, na política brasileira.
Em nome da inviolabilidade da intimidade e da vida privada, a atual legislação submete a história do Brasil a uma lata de verniz. Ainda bem que Roberto Carlos, com sua majestosa falta de noção, resolveu contribuir para expor o problema.
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