terça-feira, 9 de abril de 2013

Editoriais FolhaSP

folha de são paulo

Margaret Thatcher
A "Dama de Ferro" mudou a face da política com um ideário de crenças liberais que se tornaria lugar-comum dentro e fora do Reino Unido
Aos dez anos, a menina que viria a ser lady Thatcher -nascida Margaret Hilda Roberts, em 1925, filha de um vendeiro- retrucou ao professor que assinalara sua sorte ao vencer um concurso de poesia: "Eu não tive sorte. Eu mereci".
O episódio resume a crença no trabalho duro, na responsabilidade e na liberdade individuais que faria dela o primeiro governante do sexo feminino no Reino Unido e a mulher mais influente do século 20 -morta ontem aos 87 anos.
Poucas pessoas terão feito tanto para propagar, na década de 1980, esse núcleo duro de ideias liberais. O presidente americano Ronald Reagan (1911-2004), talvez, mas com menos brilho.
Thatcher foi dessas figuras políticas raras que encarnam até a medula uma ideologia. Determinada até o ponto da obstinação, venceu num dos mais improváveis ambientes para uma mulher: o clube fechado do partido conservador britânico, os "tories". Conquistou a liderança da agremiação em 1975. Ficou 11 anos no poder e se tornou o premiê mais longevo de seu país desde o século 19.
Com a economia britânica em frangalhos -inflação e desemprego nas alturas- após um desastroso governo trabalhista, Thatcher levou os conservadores à vitória em 1979 com uma plataforma radical: venda de empresas nacionalizadas (a palavra "privatização" só entrou em voga com seu governo), cortes drásticos de despesas estatais, controle rígido da inflação.
Um ano e meio depois, havia mais falências e desempregados do que antes de sua chegada ao nº 10 de Downing Street. Com a frieza que adversários preferiam qualificar como insensibilidade, Thatcher manteve o curso, à revelia dos centristas no próprio partido.
Logo a inflação passou a dar sinais de que cederia. Com as receitas crescentes do petróleo do mar do Norte, a economia entrou num ciclo virtuoso de crescimento.
Após derrotar a Argentina nas Malvinas/Falklands em 1982, vencer nova eleição em 1983 e pôr de joelhos os sindicatos de mineiros em 1984/85, após 51 semanas de greve, Thatcher parecia invencível. A "Dama de Ferro" dobrou as apostas com um imposto regressivo e impopular, a ser cobrado de todo eleitor, independentemente de propriedade ou renda.
Cada um deveria pagar pelos serviços que recebia, argumentava. Mas foi ela quem pagou pelo erro político: diante da revolta nacional contra a "poll tax", os tories a derrubaram da liderança do partido e Thatcher deixou o nº 10 em 1990, humilhada. Um ano após a queda do Muro de Berlim, que ela ajudou a derrubar ao incentivar ainda em 1984 um jovem líder soviético, Mikhail Gorbatchov, e um ano antes da derrocada final da URSS.
Seu ideário, contudo, já fincara raízes, não raro pelas mãos de sociais-democratas. Mesmo o trabalhismo britânico voltaria ao governo, em 1997, com Tony Blair e seu "New Labour" pró-empresa e desregulamentador -cerne de um "capitalismo popular" em que a própria Thatcher não veria defeito.

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    De gritaria em gritaria
    Não há dúvida de que a Câmara dos Deputados errou ao colocar o pastor Marco Feliciano (PSC-SP) para presidir a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM).
    Não é que o parlamentar careça de legitimidade. Ele foi eleito democraticamente e parece representar bem o eleitorado que o escolheu. O problema é que presidentes de comissão simbolizam não um grupo específico de eleitores, mas o próprio Parlamento. E, felizmente, a maioria do Congresso ainda parece rejeitar as ideias mais controversas do pastor.
    Cabem reparos, porém, à forma como as pessoas que se manifestam contra a presença de Feliciano à frente da CDHM vêm conduzindo os protestos. São legítimos, como as opiniões de Feliciano, ainda que por vezes incivis. Para começar, elas erram ao despejar toda a carga sobre a pessoa do deputado.
    Feliciano ali chegou devido a um erro coletivo de partidos e deputados. Por uma série de motivos que não cabe aqui analisar, eles se escusaram à tarefa de fazer uma escolha judiciosa. Vale observar que a mesma crítica se aplica aos deputados condenados pelo Supremo Tribunal Federal, no caso do mensalão, que foram galgados a outras comissões.
    Também fica a sensação de que o caso só assumiu as dimensões que tomou porque se tornou um capítulo ruidoso das guerras culturais que opõem os autointitulados progressistas a religiosos. Num certo sentido, essas batalhas existem na sociedade e, por isso, é natural que se reflitam no Parlamento.
    É preciso, porém, evitar que degenerem em gritaria -disputa pueril em que cada um dos lados se limita a achincalhar o outro, até o ponto de tornar insuperáveis barreiras já existentes na sociedade e representadas no Legislativo. Seria a negação da política como espaço de solução de conflitos.
    A concepção religiosa e conservadora cresce e aparece no país. Melhor reconhecer que ela existe e deve ter seu espaço.
    Cabe às forças ditas progressistas, sem tentar impor seus valores a quem deles não comungue, cuidar para que as instituições e leis sejam tão republicanas quanto possível. Agir de outra forma é valer-se da mesma intolerância que, com razão, condenam no adversário.

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