A patrulha da ortodoxia chega a tal ponto que até as desonerações têm sido contestadas
"Patrulhamentos" são corriqueiros no país. Infelizmente, porque denotam quase sempre preconceitos. Mas surgiu uma nova modalidade nessa atitude "fiscalizatória", a patrulha da ortodoxia contra a presidente da República.O fato se deu há quase duas semanas, depois que Dilma Rousseff fez declarações em Durban, na África do Sul, que não agradaram ao mercado financeiro.
Em resumo, a presidente disse o seguinte: "Eu não concordo com políticas de combate à inflação que olhem a questão da redução do crescimento econômico, até porque nós temos uma contraprova dada pela realidade. Tivemos um baixo crescimento no ano passado e houve um aumento da inflação porque teve um choque de oferta devido à crise".
Em seguida, a presidente falou do choque inflacionário do ano passado, vindo da alta das commodities no exterior, do programa de formação profissional com vistas ao aumento da produtividade, das desonerações de folha de pagamento e da cesta básica, da redução do custo de energia etc.
Só então Dilma disse as frases que mais irritaram os patrulheiros: "Esse receituário que quer matar o doente em vez de curar a doença, ele é complicado, você entende? Eu vou acabar com o crescimento do país? Isso daí está datado, isso eu acho que é uma política superada. Agora, isso não significa que o governo não está atento e, não só atento, acompanha diuturnamente essa questão da inflação".
Tão logo a fala da presidente foi divulgada pelas agências de notícias e pela televisão, o mercado ficou nervoso. Os juros futuros caíram, numa imediata frustração das expectativas sobre um provável aumento da Selic neste mês.
O mercado logo concluiu que as declarações da presidente representavam um sinal claro de que ela é contra a elevação dos juros. E isso foi tachado pelos patrulheiros de interferência indevida da presidente na área da política monetária, atentando contra a autonomia e a credibilidade do Banco Central.
Embora o BC brasileiro não tenha independência, ele goza de autonomia outorgada para conduzir a política monetária. Isso, porém, não quer dizer que a presidente da República não possa dar a sua opinião a respeito da inflação, do crescimento econômico e até da política monetária. Por que não? Diariamente, dezenas de analistas, identificados ou não, opinam sobre essas questões. Por que não a presidente?
Em nenhum momento ela se referiu à questão conjuntural dos juros. Fez apenas uma defesa -e feliz- da adoção de políticas que cuidem ao mesmo tempo da inflação e do crescimento, algo nada diferente do que estão fazendo lá fora inúmeros países durante a atual crise, principalmente os EUA.
A patrulha da ortodoxia chega a tal ponto que até as desonerações têm sido contestadas, sob o argumento de que "são apenas um alívio temporário para os preços e não representam um instrumento de combate à inflação". Talvez estejam certos os patrulheiros, mas as desonerações precisam ser saudadas até por uma questão de coerência.
Quando se reduz o preço da energia, há um impacto anti-inflacionário apenas momentâneo, mas, além disso, há um efeito muito importante na redução do "custo Brasil" e no aumento da competitividade do produto brasileiro.
A desoneração das folhas de pagamento, por exemplo, era uma antiquíssima reivindicação não só dos empresários mas de toda a sociedade. Na legislação anterior, inflexível, quanto mais pessoas as empresas empregassem, mais taxadas elas eram. Essa injustiça está sendo corrigida e já há mais de 40 setores desonerados. Outros 14 passarão a receber o benefício a partir de 2014.
O que há por trás da patrulha ortodoxa é um imenso mau humor do mercado com a queda do rendimento financeiro no país. Com a redução da Selic para 7,25%, taxa ainda elevada em relação às de outros países, não se ganha mais dinheiro fácil como antes. É preciso arregaçar as mangas e produzir.
O que a presidente disse em Durban é de uma correção exemplar. Ela simplesmente observou que não aprova políticas que sacrifiquem o crescimento em nome da redução de uma inflação que não é produzida por excesso de demanda. Isso é o que qualquer político responsável diria.
BENJAMIN STEINBRUCH, 59, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp. Escreve às terças-feiras, a cada 14 dias, nesta coluna.
bvictoria@psi.com.br
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