Cientistas apresentam material capaz de
absorver poluentes da água sem causar danos ao meio ambiente. Feito a
partir do grafeno branco, ele poderá recuperar áreas contaminadas
Roberta Machado
Estado de Minas: 01/05/2013
Brasília –
Cientistas australianos e franceses divulgam hoje os resultados de um
trabalho feito em parceria que usa os poderes da nanotecnologia para o
tratamento de águas poluídas. Eles usaram o “grafeno branco”, mesmo
material adotado pela Agência Espacial Norte-Americana (Nasa) para
proteger naves de micrometeoritos, para desenvolver um tipo de esponja
em pó que absorve de tudo, menos água. Quando jogados em um líquido
contaminado, os minúsculos fragmentos de nitreto de boro (BN) trabalham
como um ímã para poluentes. A técnica, que ainda passa por estudos
laboratoriais, pode ser adotada no tratamento de resíduos de indústrias
como óleos ou tinturas.
A invenção foi divulgada na revista Nature
Communications, cujo site exibe um vídeo em que o poder da substância é
demonstrado. Em um pequeno recipiente, uma pipeta pinga algumas gotas
de óleo escuro sobre o volume d’água. Logo depois o líquido viscoso se
espalha e forma uma mancha na superfície transparente. Quando o grafeno
branco é acrescentado, a sujeira começa a formar uma bolota com o
material sólido, que suga o óleo rapidamente. Esse detrito, explicam os
pesquisadores, continua a flutuar na água sem se molhar, graças às
propriedades hidrofóbicas do material. Basta retirá-lo do recipiente,
sem qualquer tipo de filtragem.
A substância foi testada em
pequenas proporções, mas os criadores da técnica acreditam que ela possa
também ser usada em situações de porte maior, como o tratamento de
resíduos de indústrias inteiras ou até mesmo no vazamento de óleo de
plataformas petrolíferas. “Eles são grandes candidatos para resolver os
poluentes de indústrias têxteis, de papel ou de couro”, sugere Weiwei
Lei, um dos criadores do pó absorvente e pesquisador de pós-doutorado do
Institute for Frontier Materials, da Universidade Deakin, na Austrália.
Os
responsáveis pelo material acreditam que ele possa substituir métodos
como a combustão, a coleta mecânica e alguns tratamentos químicos usados
hoje para a limpeza de águas poluídas com componentes orgânicos. A
absorção de BN, apontam, pode ser mais eficiente e seletiva que a
maioria das técnicas atuais. “Acredita-se que o nitreto de boro não seja
tóxico para o ambiente ou para o corpo humano, mas ainda queremos ter
cautela e não recomendar que se beba a água tratada com as nanofolhas
sem um tratamento de filtração”, ressalta Lei.
O especialista
Marco Antonio Almeida de Souza, pesquisador do Programa de Pós-graduação
em Tecnologia Ambiental e Recursos Hídricos da Universidade de Brasília
(UnB), avaliou a pesquisa e acredita que, depois de concluída, ela pode
ser útil no estágio final de limpeza de águas contaminadas. “Temos
processos alternativos e mais baratos, mas que têm o problema do
polimento final. As formas mais baratas de remover óleo deixam pequenos
traços residuais, então a aplicação da absorção seria mais útil no
tratamento que chamamos de terciário ou quaternário, que é o polimento
final da água”, acredita Souza.
Uma limpeza detalhada poderia, de
acordo com o professor, eliminar elementos como pesticidas ou resíduos
descartados pelas indústrias farmacêuticas que afetam o bioma aquático e
a qualidade de vida urbana. “São poluentes que não existiam na água em
quantidade significativa e começam a ser um problema. Se esses compostos
não forem retirados, vão para rios e lagos, onde são captados para o
fornecimento da população de novo. Eles passam incólumes no tratamento
da água e podem trazer problemas que se acumulam no organismo a longo
prazo”, alerta.
Poros O experimento mostra mais
uma das utilidades da nanociência, linha de pesquisa crescente que têm
desafiado as leis da física com estranhas substâncias criadas em
laboratório. Entre elas, o nitreto de boro mostrou propriedades tão
impressionantes quanto as do grafeno, material que rendeu o Prêmio Nobel
de Física aos cientistas russos que o criaram em 2010. O grafeno
branco, como é chamado, é um dos materiais mais resistentes que existem
e, por isso, é usado pela Nasa na forma de nanotubos para a fabricação
de coberturas de espessura atômica de componentes de naves espaciais.
No
caso do pó superabsorvente, o grande trunfo está no processo de
fabricação. Depois de ser aquecida a mais de 1.100 oC, a mistura que dá
origem ao material começa a liberar bolhas de gás nanométricas, que
formam muitos poros na substância. A estrutura de queijo suíço cria uma
superfície de contato de até 1.425m² por grama, o que garante bastante
espaço para os poluentes se impregnarem ao pó. A capacidade de absorção
chega a 33 vezes o peso do próprio material.
A notável resistência
do nanomaterial à oxidação permite que ele seja lavado, aquecido ou
mesmo queimado para a remoção dos poluentes orgânicos removidos da água.
Ele pode passar pelo mesmo processo ao menos cinco vezes até começar a
perder a capacidade de absorção. “Tanto os materiais quanto o processo
de produção são ambientalmente corretos, sem o uso de materiais
tóxicos”, assegura Ying Chen, professor da Universidade Deakin e
especialista em nanomateriais que participou do desenvolvimento da
substância.
Casca de banana para limpar rios
Os rios do
interior paulista são continuamente afetados pela atividade agrícola da
região, que contamina as águas com os pesticidas usados nas plantações
de cana-de-açúcar e milho. Mas é possível que a solução para os
problemas causados por essas culturas esteja no descarte resultante de
outro produto vegetal. Um grupo de pesquisadores da Universidade de São
Paulo (USP) demonstrou como a casca de banana pode ser tratadaa e
transformada em pó e se tornar uma alternativa eficiente para a
despoluição de águas atingidas pelos produtos tóxicos. A pesquisa é do
Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP, em Piracicaba, e
ganhou espaço na edição de abril da revista especializada American
Chemical Society.
A casca da fruta foi testada na remediação de
águas misturadas a amostras de atrazina e ametrina, alguns dos
principais pesticidas usados nas fazendas próximas às cidades de
Piracicaba e Capivari, e que são encontrados normalmente em pequenas
concentrações dos rios da região, apesar de serem nocivos. Enquanto a
ametrina foi banida dos Estados Unidos por causar mutações em espécies
aquáticas, a atrazina é o maior responsável do mundo por poluição de
rios e lagos entre os defensivos agrícolas.
A transformação da
casca da banana começa com o processo de secagem do material. A
cobertura pode ser deixada ao sol por uma semana ou levada ao forno a 60
oC antes de ser triturada e peneirada. O pó natural é adicionado à água
contaminada, e a mistura é agitada e filtrada. Os resultados do
experimento com a fruta foram medidos por um cromatógrafo e compostos
radiomarcados.
A técnica, acreditam os pesquisadores, é forte
candidata para ser adotada por serviços de tratamento de água e
abastecimento público que recorrem a fontes naturais próximas às cidades
e que geralmente estão contaminadas. “Fizemos testes com água imprópria
e vimos que havia uma contaminação de 1 ppb (parte por bilhão). Após o
tratamento, (o problema) foi realmente remediado”, conta Sérgio
Monteiro, um dos autores da pesquisa e doutorando do Laboratório de
Ecotoxicologia do Cena.
Cargas As propriedades da
casca de banana têm afinidade com substâncias orgânicas como os
pesticidas. “Por serem carregadas negativamente, elas atraem as
substâncias que têm carga positiva”, diz Monteiro, que também é
pesquisador do Instituto Biológico da Secretaria de Agricultura do
Estado de São Paulo.
A técnica é mais uma a aproveitar as cascas
da fruta descartadas após o consumo. Correspondente a 30% a 40% do peso
total da fruta, a cobertura já é usada para a produção de adubos, de
ração animal e para a produção de biocombustíveis, além da obtenção de
proteínas e enzimas. O grupo deve estudar agora o processo de
biodegradação das cascas de banana misturadas ao herbicida, para
entender melhor como o uso da técnica pode influenciar na produção de
dejetos sólidos. (RM)
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