quarta-feira, 1 de maio de 2013

Editoriais FolhaSP

folha de são paulo

Superavit de risco
A pretexto de incentivar investimentos e retomada da atividade econômica, Planalto tolera deterioração paulatina das contas públicas
Não há muita dúvida de que a política fiscal do governo Dilma Rousseff passa por uma mudança estrutural. A decisão mais recente do Planalto, explicitada pelo secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, foi condicionar o rigor com as contas públicas ao crescimento do PIB e não mais à evolução da dívida pública.
A meta oficial de superavit primário (saldo das receitas e despesas públicas antes dos gastos com juros) segue em 3,1% do PIB, mas sua observância já vinha caindo em descrédito. Inflar receitas com sucessivas manobras contábeis, retirar do cálculo os investimentos e as desonerações tributárias e ignorar os rombos dos Estados e municípios levaram a isso.
O afrouxamento agora se completa. O governo assume que o esforço de austeridade dependerá do ritmo de crescimento da economia. Pode, até, vir a permitir um deficit, caso o desempenho do PIB continue a decepcionar.
Números recentes evidenciam a prática. O saldo primário do governo federal ficou em R$ 19,9 bilhões no primeiro trimestre. Nos 12 meses até março, equivaleu a 1,7% do PIB --queda importante diante dos 2,4% obtidos no mesmo período de 2012.
O governo atribui a piora das contas à fraqueza da economia e da arrecadação tributária, uma verdade parcial. A receita do Tesouro cresceu só 2,3% no primeiro trimestre. Mas a alta de despesas foi de 11,5%; o desequilíbrio é patente.
Os motivos são os de sempre: benefícios previdenciários e despesas de custeio (excluindo pessoal) subiram 14,3% e 18,9%, respectivamente. Do lado dos investimentos, houve alta de apenas 7,4%.
Ressalve-se que uma política fiscal anticíclica, atrás da qual se escuda o Planalto, pode ser justificável em certas condições. Mal formulada e mal conduzida, como agora, serve de biombo para a velha e conhecida farra fiscal.
O risco se afigura ainda maior quando se considera que a frouxidão abarcará os Estados e os municípios, com a permissão federal para que também aumentem suas dívidas. Em tese, o objetivo é fomentar investimentos fundamentais para o país, mas só em tese (mais plausível é a explicação de ser 2014 um ano eleitoral).
Por fim, há o agravante da aparente falta de sintonia entre Fazenda e Banco Central, que, em seus documentos, ainda conta com o cumprimento integral da meta.
A administração flexível do Orçamento pode fazer parte do arsenal contra a anemia econômica, mas é preciso critério. Hoje é impossível confiar em que o governo fará uso prudente dessa margem de liberdade. Não será surpresa se o país colher, ao final, uma dívida pública maior --e sem resultados palpáveis para o crescimento.

    EDITORIAIS
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    Atoleiro na Síria
    Dois novos ataques, ontem, deixaram pelo menos 18 mortos na Síria, um dia depois da explosão de que saiu ileso o primeiro-ministro, Wael al Halqi. Agravam-se, em paralelo, os indícios de que tropas do ditador Bashar Assad usaram armas químicas contra os rebeldes.
    Aumenta, com isso, a pressão para que o presidente americano, Barack Obama, adote medidas mais fortes para pôr fim à guerra civil no país. O conflito já dura dois anos e provocou 70 mil mortes.
    O coro dos que pedem uma intervenção é agora reforçado por destacados senadores republicanos, como John McCain. Para eles, a inação enfraquece a posição dos Estados Unidos diante de nações como o Irã e a Coreia do Norte.
    Obama, entretanto, reluta em envolver-se plenamente. Não se pode dizer que não tenha motivos.
    Em primeiro lugar, ele exige uma confirmação direta de que o gás sarin foi de fato utilizado. A cautela se justifica tendo em vista o fiasco do Iraque. As armas de destruição em massa, que serviram de pretexto para a invasão do país em 2003, simplesmente não existiam.
    Washington não atinou ainda com uma fórmula que lhe permita intervir a um custo militar e político que possa ser considerado aceitável. O exemplo é, de novo, o Iraque, e também o Afeganistão, onde os EUA se envolveram e os resultados, medidos alguns anos depois, deixam muito a desejar.
    Ambos os países são assolados por conflitos sectários. Nenhum conta com governos funcionais para irradiar a democracia no Oriente Médio, como prescreviam os defensores das invasões. É pouco provável que Obama caminhe voluntariamente para o que promete tornar-se um novo atoleiro.
    Saída possível seria escalar a intervenção indireta já praticada. Os EUA dão dinheiro para os rebeldes e os ajudam a organizar-se. Passos adicionais, como a venda direta de armas e a criação de zonas de exclusão aérea, poderiam ser considerados, em especial se confirmado o uso de gás sarin.
    Tempos atrás, Obama disse que armas químicas traçavam uma linha divisória. Se elas fossem usadas, os EUA reagiriam.
    Mesmo uma intervenção indireta implicaria dificuldades. Se uma zona de exclusão aérea vier a funcionar, Obama teria de explicar por que não fez isso antes, preservando alguns milhares de vidas.
    A verdade é que, sem um consenso claro sobre o que pode e deve ser feito, nem os EUA nem a Europa deverão atuar tão cedo na Síria. E tal consenso não existe hoje.

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