Celina Aquino
Estado de Minas: 01/05/2013
A cada dia são
registradas no Brasil 30 mortes por acidentes com motocicletas. Entre os
sobreviventes, não é raro constatar trauma de plexo braquial (conjunto
de estruturas nervosas que fica entre o ombro e o pescoço), uma lesão
que compromete o movimento do braço e provoca dor constante. A ponta de
esperança para casos antigos que não apresentam melhora com outros tipos
de tratamento, ou nem foram avaliados por um médico, chega com uma nova
técnica, altamente complexa, chamada de transferência microcirúrgica
muscular. A primeira operação em Belo Horizonte foi realizada ontem no
Hospital Felício Rocho, pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Depois de
longa espera, o paciente mineiro, vítima de um grave acidente há quatro
anos, já pensa na possibilidade de voltar a trabalhar (veja Personagem
da notícia).
Quando há lesão de plexo braquial, o neurocirurgião José Augusto Malheiros, um dos três médicos que participaram da cirurgia, informa que o ideal é encaminhar o paciente para tratamento o mais rápido possível. “Quanto mais precocemente refizermos o estímulo, maior a chance de o músculo recuperar sua função. Depois de um ano, mesmo se receber o estímulo, ele não vai conseguir se contrair”, explica. Entre três e seis meses, existem três opções de cirurgias que dão chance para o próprio músculo se recuperar: sutura direta, que consiste em costurar o nervo rompido; enxerto, indicado quando o nervo se contrai com o trauma e não permite uni-lo ponta a ponta; e neurotização, que liga um nervo local sadio ao que está sem função. Em mais de 80% dos casos, principalmente de lesão parcial, os procedimentos conseguem devolver a movimentação normal, desde que ocorra no prazo adequado.
A realidade, porém, é bem diferente. Muitos acidentados chegam tardiamente ao consultório médico, pois acreditam que não há como resolver o problema, e perdem um tempo que seria importante para a recuperação. Para situações assim, a transferência microcirúrgica muscular torna-se a única alternativa. “Teoricamente, não existiria mais solução para esses pacientes, eles realmente teriam que conviver com dor e sem movimento. Com a nova técnica, dá para tratar lesões tardias, tanto de quem não melhorou com a primeira cirurgia quanto de quem não fez nenhum tratamento”, esclarece Malheiros.
COMPLEXIDADE Por ser bastante complexa, a operação requer o acompanhamento de três especialistas: neurocirurgião, ortopedista e cirurgião cardiovascular. A equipe retira um músculo da parte interna da coxa e faz a transferência dele para o pescoço, levando tendões, nervo, artérias e veias. “Isso vai fazer com que o músculo se mantenha funcionalmente ativo e consiga se contrair”, pontua o cirurgião cardiovascular Daniel Nardi. Diferentemente dos outros procedimentos, a incisão na transferência microcirúrgica muscular é feita bem perto do músculo que precisa ser estimulado. “Quanto mais perto do músculo, maior a chance de recuperação, pois o nervo terá que crescer 0,5 centímetro em vez de 20cm. O que demoraria quase um ano hoje ocorre em duas semanas”, aponta o neurocirurgião.
Com a operação, a meta inicial é livrar o paciente da dor, que costuma ser muito forte (quando há lesão do nervo, o cérebro entende que a pessoa está esticando o braço). Depois, os médicos vão tentar restaurar o movimento normal, seja de flexão de cotovelo ou da mão. O cirurgião de mão do Hospital Felício Rocho Leonardo de Andrade Moreira comenta, no entanto, que ainda não dá para dizer que a transferência é uma solução definitiva. “A maioria dos pacientes imagina que vai ter recuperação completa. Não quer dizer que operou hoje que ele vai mexer o braço amanhã. Como o nervo cresce 1 milímetro por dia, vai levar tempo para ver o resultado.” Pacientes fumantes e com mais de 40 anos, por exemplo, podem não responder tão bem ao procedimento.
Moreira lembra também a importância de um programa de reabilitação, antes e depois da cirurgia, para não ficar com as articulações endurecidas. A fisioterapia, combinada com acompanhamento médico mensal, vai ajudar o paciente a voltar a mexer o braço.
ESTUDO DA USP Pela experiência do cirurgião de mão do Instituto de Ortopedista do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) Marcelo Rosa de Rezende, dá para dizer que a medicina está no caminho certo. Lá, a transferência microcirúrgica muscular virou rotina. Em 10 anos, o médico acompanhou 64 procedimentos e deve concluir no ano que vem um estudo para definir a melhor maneira de ligar o músculo transferido, entre cinco opções. Independentemente da escolha, os resultados se mostram satisfatórios. “Nosso objetivo é fazer com que o indivíduo consiga dobrar o cotovelo em pelo menos 90 graus, para a mão não ficar inútil, podendo ir mais. Mesmo que não consiga resultado ideal, podemos fazer uma cirurgia complementar, que é uma transferência do antebraço para o cotovelo”, destaca. A partir do quinto mês, espera-se um esboço de reação do braço, que evolui progressivamente.
Apesar de ser um procedimento muito complexo e demorado (a cirurgia dura de 10 a 12 horas), Rezende diz que é extremamente gratificante, principalmente considerando a gravidade da lesão. “O movimento do cotovelo ajuda a restaurar a autoestima do paciente e torná-lo uma pessoa produtiva”, observa o ortopedista. Em média, são operados três pacientes por mês no Hospital das Clínicas da USP, mas a fila de espera ainda é grande, já que o processo para conseguir vaga pelo SUS demora pelo menos seis meses.
Personagem da notícia
José Fernando Pereira
pedreiro de acabamento
Vida nova
Não restou na memória nenhuma lembrança do acidente. José Fernando Pereira, de 34 anos, recorda-se apenas que ia pela BR-262 de Santa Bárbara do Leste, no Vale do Rio Doce, para Belo Horizonte de carona na moto do irmão. Ao acordar no hospital, depois de 45 dias de coma, o pedreiro se assustou ao perceber que não movimentava o braço direito. “Depois do acidente, estou praticamente aposentado”, conta. Nem fisioterapia resolveu o problema e ele teve que aprender a se virar com o braço esquerdo. José Fernando sabe que a cirurgia, pela qual esperou por dois anos, não deve fazer com que consiga levantar o braço acidentado, mas só de parar o formigamento e a dor constante ele vai ficar satisfeito. “Meu sonho é voltar a trabalhar. Acordar de manhã e não ter nada para fazer deixa a gente bem para baixo.” Ontem, após nove horas de cirurgia, os médicos comemoraram o sucesso do procedimento.
O que nos interessa
Centro de referência em BH
Entra em funcionamento neste mês o ambulatório para pacientes com lesão de plexo braquial no Hospital Felício Rocho, que contará com neurocirurgião, ortopedista especialista em mão, duas fisioterapeutas e dois residentes de neurocirurgia. A unidade de saúde em Belo Horizonte pretende se tornar um centro de referência para cirurgia, reabilitação e acompanhamento de pacientes que perderam o movimento do braço. Inicialmente, a equipe atenderá em média 50 pessoas por mês. Na fila de espera para a transferência microcirúrgica muscular estão sete pessoas. Mais de 80% dos pacientes acompanhados são motociclistas.
Quando há lesão de plexo braquial, o neurocirurgião José Augusto Malheiros, um dos três médicos que participaram da cirurgia, informa que o ideal é encaminhar o paciente para tratamento o mais rápido possível. “Quanto mais precocemente refizermos o estímulo, maior a chance de o músculo recuperar sua função. Depois de um ano, mesmo se receber o estímulo, ele não vai conseguir se contrair”, explica. Entre três e seis meses, existem três opções de cirurgias que dão chance para o próprio músculo se recuperar: sutura direta, que consiste em costurar o nervo rompido; enxerto, indicado quando o nervo se contrai com o trauma e não permite uni-lo ponta a ponta; e neurotização, que liga um nervo local sadio ao que está sem função. Em mais de 80% dos casos, principalmente de lesão parcial, os procedimentos conseguem devolver a movimentação normal, desde que ocorra no prazo adequado.
A realidade, porém, é bem diferente. Muitos acidentados chegam tardiamente ao consultório médico, pois acreditam que não há como resolver o problema, e perdem um tempo que seria importante para a recuperação. Para situações assim, a transferência microcirúrgica muscular torna-se a única alternativa. “Teoricamente, não existiria mais solução para esses pacientes, eles realmente teriam que conviver com dor e sem movimento. Com a nova técnica, dá para tratar lesões tardias, tanto de quem não melhorou com a primeira cirurgia quanto de quem não fez nenhum tratamento”, esclarece Malheiros.
COMPLEXIDADE Por ser bastante complexa, a operação requer o acompanhamento de três especialistas: neurocirurgião, ortopedista e cirurgião cardiovascular. A equipe retira um músculo da parte interna da coxa e faz a transferência dele para o pescoço, levando tendões, nervo, artérias e veias. “Isso vai fazer com que o músculo se mantenha funcionalmente ativo e consiga se contrair”, pontua o cirurgião cardiovascular Daniel Nardi. Diferentemente dos outros procedimentos, a incisão na transferência microcirúrgica muscular é feita bem perto do músculo que precisa ser estimulado. “Quanto mais perto do músculo, maior a chance de recuperação, pois o nervo terá que crescer 0,5 centímetro em vez de 20cm. O que demoraria quase um ano hoje ocorre em duas semanas”, aponta o neurocirurgião.
Com a operação, a meta inicial é livrar o paciente da dor, que costuma ser muito forte (quando há lesão do nervo, o cérebro entende que a pessoa está esticando o braço). Depois, os médicos vão tentar restaurar o movimento normal, seja de flexão de cotovelo ou da mão. O cirurgião de mão do Hospital Felício Rocho Leonardo de Andrade Moreira comenta, no entanto, que ainda não dá para dizer que a transferência é uma solução definitiva. “A maioria dos pacientes imagina que vai ter recuperação completa. Não quer dizer que operou hoje que ele vai mexer o braço amanhã. Como o nervo cresce 1 milímetro por dia, vai levar tempo para ver o resultado.” Pacientes fumantes e com mais de 40 anos, por exemplo, podem não responder tão bem ao procedimento.
Moreira lembra também a importância de um programa de reabilitação, antes e depois da cirurgia, para não ficar com as articulações endurecidas. A fisioterapia, combinada com acompanhamento médico mensal, vai ajudar o paciente a voltar a mexer o braço.
ESTUDO DA USP Pela experiência do cirurgião de mão do Instituto de Ortopedista do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) Marcelo Rosa de Rezende, dá para dizer que a medicina está no caminho certo. Lá, a transferência microcirúrgica muscular virou rotina. Em 10 anos, o médico acompanhou 64 procedimentos e deve concluir no ano que vem um estudo para definir a melhor maneira de ligar o músculo transferido, entre cinco opções. Independentemente da escolha, os resultados se mostram satisfatórios. “Nosso objetivo é fazer com que o indivíduo consiga dobrar o cotovelo em pelo menos 90 graus, para a mão não ficar inútil, podendo ir mais. Mesmo que não consiga resultado ideal, podemos fazer uma cirurgia complementar, que é uma transferência do antebraço para o cotovelo”, destaca. A partir do quinto mês, espera-se um esboço de reação do braço, que evolui progressivamente.
Apesar de ser um procedimento muito complexo e demorado (a cirurgia dura de 10 a 12 horas), Rezende diz que é extremamente gratificante, principalmente considerando a gravidade da lesão. “O movimento do cotovelo ajuda a restaurar a autoestima do paciente e torná-lo uma pessoa produtiva”, observa o ortopedista. Em média, são operados três pacientes por mês no Hospital das Clínicas da USP, mas a fila de espera ainda é grande, já que o processo para conseguir vaga pelo SUS demora pelo menos seis meses.
Personagem da notícia
José Fernando Pereira
pedreiro de acabamento
Vida nova
Não restou na memória nenhuma lembrança do acidente. José Fernando Pereira, de 34 anos, recorda-se apenas que ia pela BR-262 de Santa Bárbara do Leste, no Vale do Rio Doce, para Belo Horizonte de carona na moto do irmão. Ao acordar no hospital, depois de 45 dias de coma, o pedreiro se assustou ao perceber que não movimentava o braço direito. “Depois do acidente, estou praticamente aposentado”, conta. Nem fisioterapia resolveu o problema e ele teve que aprender a se virar com o braço esquerdo. José Fernando sabe que a cirurgia, pela qual esperou por dois anos, não deve fazer com que consiga levantar o braço acidentado, mas só de parar o formigamento e a dor constante ele vai ficar satisfeito. “Meu sonho é voltar a trabalhar. Acordar de manhã e não ter nada para fazer deixa a gente bem para baixo.” Ontem, após nove horas de cirurgia, os médicos comemoraram o sucesso do procedimento.
O que nos interessa
Centro de referência em BH
Entra em funcionamento neste mês o ambulatório para pacientes com lesão de plexo braquial no Hospital Felício Rocho, que contará com neurocirurgião, ortopedista especialista em mão, duas fisioterapeutas e dois residentes de neurocirurgia. A unidade de saúde em Belo Horizonte pretende se tornar um centro de referência para cirurgia, reabilitação e acompanhamento de pacientes que perderam o movimento do braço. Inicialmente, a equipe atenderá em média 50 pessoas por mês. Na fila de espera para a transferência microcirúrgica muscular estão sete pessoas. Mais de 80% dos pacientes acompanhados são motociclistas.
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