Zero Hora - 01/05/2013
Durante minhas aulas particulares de inglês, a professora de vez em
quando usa um baralho especial para estimular a conversação, o
Conversation Starter. Cada carta traz uma pergunta inusitada, algo para
estimular uma resposta que obrigue o aluno a buscar um vocabulário que
normalmente não usa. Na última aula, usamos o baralho e caiu para mim o
seguinte: qual o crime que você cometeria, caso tivesse certeza absoluta
que jamais seria pego?
Como tudo não passa de uma brincadeira, minha professora disse que
há quem mate a sogra e relate o assassinato em minúcias. Esses alunos
inspirados rendem aulas mais produtivas e divertidas do que os certinhos
que respondem: “None”. Pô, crime nenhum? Como é que vai desenvolver o
vocabulário com essa honestidade toda?
Eu não inventei um crime estapafúrdio para divertir a professora,
mas tampouco fiz o papel de lady tomada pela virtude. Pensei, pensei, e
respondi que sonegaria imposto. Não daria um tostão para o governo. Não
enquanto os benefícios em troca fossem essa vergonha nacional.
Todos os meses, assim como você, pago uma fortuna aos cofres
públicos. E pago também previdência privada, seguro-saúde, seguro do
carro, escola particular para os filhos e um condomínio alto por mês por
causa das grades, da guarita blindada, do vigia 24 horas.
Para onde vai o dinheiro que deveria custear nossa segurança e
bem-estar? Para o bolso de algum empreiteiro, para o bolso de algum
político, para a conta particular de alguma Rosemary. Recentemente
conversei com um estrangeiro que está no Brasil fazendo parte de uma
comitiva ligada à gestão da Copa do Mundo: confirmou que a roubalheira é
a coisa mais escandalosa que já testemunhou.
Não sou contra a Copa aqui no Brasil porque sei que esse dinheiro
não está sendo desviado da saúde e da educação. É um dinheiro que surge
milagrosamente sempre que há um megaevento de visibilidade mundial. Não
houvesse Copa no Brasil (como não houve em 2010, 2006, 2002...), o
dinheiro continuaria parado no bolso de alguns, como sempre ficou. Ao
menos, com Copa, algumas obras estão sendo feitas, menos mal.
De qualquer forma, é um fiasco. Com a dinheirama que se arrecada
cada vez que abastecemos o carro, cada vez que compramos feijão, cada
vez que ligamos o abajur, e mais ainda com o que tiram do nosso salário,
jamais deveríamos ver doentes sendo recusados em portas de hospitais,
nunca um aluno poderia estudar sem material e merenda e era para ter um
policial em cada esquina.
Sempre me dei bem com minhas sogras, estão todas a salvo da minha
sanha assassina. E nunca soneguei imposto, pois cumpro as leis, mas está
na hora de o país retribuir à altura e parar, ele sim, de sonegar
dignidade ao povo, até porque a tal “certeza absoluta de não ser pego”
começa, lentamente, a deixar de ser tão absoluta. Ora, malha fina para
eles também.
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