Será que os torcedores argentinos sairiam ilesos de uma eventual vitória no Maracanã na Copa de 2014? Nossa torcida verde-amarela saberá receber turistas estrangeiros que têm todo o direito a torcer para os seus times? Ou se a Alemanha ou a Espanha nos derrotarem, a gente vai pegar "na saída" os seus torcedores?
O mais importante "imagina na Copa" é esse. Não tem aeroporto novinho e metrô que jamais será construído que possam competir com as imagens de torcedores quebrando tudo que veem pela frente por causa de uma derrota. Ainda há centenas de passos a serem dados no Brasil para um mínimo de civilidade no nosso espírito esportivo.
Por isso, é tão fascinante ver o que está acontecendo no bilionário mundo esportivo dos EUA. O pivô Jason Collins, 34, da NBA, disse que é gay e foi elogiado por Obama, Bill Clinton e por Kobe Bryant, entre dezenas de grandes nomes da política, do esporte e da cultura. Virou ídolo instantâneo, apesar de estar longe de ser um jogador famoso. É o primeiro atleta ainda em atividade a sair do armário em uma das quatro grandes ligas americanas.
Há um mês, o técnico de basquete da universidade Rutgers foi demitido do cargo após uma câmera indiscreta registrar como ele chamava de "viado" os jogadores do seu time que erravam algum passe. "Tem que jogar como homem", gritava. Sua demissão foi exemplar, mas ainda é novidade.
Não são casos isolados. A Liga Nacional de Hóquei lançou uma campanha contra a homofobia entre times e atletas, a Liga Nacional de Futebol Americano prepara a sua própria e dois de seus jogadores mais famosos, os heterossexuais Chris Kluwe e Brendon Ayanbadejo, tornaram-se porta-vozes de campanhas contra a discriminação. Um jogador de futebol, o soccer deles, que já até vestiu a camisa da seleção americana, também se revelou gay. Aos 25 anos, quem sabe ele não jogará no Brasil no ano que vem representando seu país?
As mulheres gays conseguiram lutar --e sair do armário-- muito antes. Como bem disse a tenista Martina Navratilova, "o esporte estava atrasado demais". Pioneira, ela declarou sua atração por mulheres no longínquo 1981 e mulheres fortes como ela se tornaram presença constante em diversos esportes. Jogadoras de basquete e vôlei nos EUA têm saído do armário sem causar tanto barulho --parece que elas já conquistaram a "normalidade".
O esporte parecia ser o último bastião da homofobia, onde homens gays jamais seriam aceitos --acusados de efeminados, eles não seriam fortes o suficiente para jogar ou distrairiam os demais jogadores no vestiário.
Mas tanto o Exército americano, quanto o britânico ou o holandês aceitam gays em suas tropas e nada mudou nos quartéis e nas campanhas militares no exterior, nem houve deserção em massa. Apenas alguns milhares de militares puderam ser o que são, sem constrangimento ou repressão.
Até mesmo na política, diversos gays venceram o desafio das urnas e da aceitação popular, do primeiro-ministro belga aos prefeitos de Paris, Berlim e Portland, a vários deputados americanos e a senadora Tammy Baldwin. No Brasil, Jean Wyllys conseguiu converter a popularidade do BBB em força política, tendo que enfrentar batalhas com alguns dos setores mais atrasados da sociedade brasileira.
Nos EUA, depois de uma fase ultraconservadora nos anos 90 e início dos 2000, o país voltou à vanguarda. Ainda falta saber se a carreira de Collins, já considerado veterano, sofrerá obstáculos por ser gay abertamente --ou se até ganhará alguns vantajosos contratos publicitários. Mas as primeiras reações foram de apoio quase unânime dentro e fora do esporte.
As únicas vozes contra Collins saíram dos grotões americanos. Igualzinho ao que já acontece em escala mundial --aceitação e respeito aos gays nos países escandinavos, na Europa Ocidental, no Canadá, Argentina e Uruguai, mas repressão e violência nos rincões mais miseráveis e atrasados do planeta. A divisão é clara e invariavelmente tem a ver com o nível educativo de simpatizantes ou detratores.
Por isso mesmo, no Brasil, mesmo nos lugares mais desenvolvidos, não consigo imaginar ainda um gay de cabeça erguida jogando numa boa em um estádio de São Paulo ou Rio. Nem entre os colegas, nem com a torcida. Em termos de educação, ainda temos muita bola para jogar.
- O vídeo abaixo mostra o jogador de futebol americano Chris Kluwe falando sobre sua campanha contra a homofobia
- video
O jornalista Raul Juste Lores é correspondente da Folha em Washington,
ex-correspondente em Nova York, Pequim e Buenos Aires e ex-editor
do caderno 'Mercado', e bolsista da fundação Eisenhower Fellowships. Escreve às quartas-feiras no site. Siga: @rauljustelores
ex-correspondente em Nova York, Pequim e Buenos Aires e ex-editor
do caderno 'Mercado', e bolsista da fundação Eisenhower Fellowships. Escreve às quartas-feiras no site. Siga: @rauljustelores
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