Paulo André Barros Mendes
Mestre em geografia (UnB) e integrante da ONG Arca-Amaserra
Antônio Arthur Barros Mendes
Procurador da República em Minas Gerais
Estado de Minas: 01/05/2013
Causa preocupação
alguém vir a público em Minas Gerais criticar a possibilidade de
ampliação do nosso mais emblemático parque nacional, na Serra do Cipó, e
questionar em última análise a própria razão de ser desse parque. Mas
causa perplexidade quando essa posição é assumida por um professor na
área de ecologia da mais importante instituição de ensino e pesquisa do
estado, num discurso próprio de mineradoras, incorporadores imobiliários
e ruralistas, trio que vem tentando desqualificar, se não desmontar, o
ainda modesto sistema brasileiro de proteção ambiental.
Já se vão quase 150 anos desde que o então presidente norte-americano Abraham Lincoln – nome muito comentado atualmente, com a premiação do filme que retrata parte de sua vida – assinou o ato que determinava a preservação, pela eternidade e para o desfrute de todos, da região do Yosemite Valley, na Califórnia. Essa foi a primeira área no mundo reservada para a criação de um parque nacional. Nessa mesma época, a naturalista e artista botânica inglesa Marianne North (1830-1890) viajava por Minas Gerais, pintando, maravilhada, nossas montanhas, plantas e aves. Ao visitar o lendário Seminário do Caraça, Marianne relata, em suas memórias, ter perguntado sobre as aulas de ciências da natureza no lugar. A resposta negativa deixou nela uma forte impressão de desinteresse pelo assunto no país.
A verdade é que infelizmente o Brasil começou muito tarde a cuidar mais a sério do meio ambiente. Só em 1937 o país ganhou seu primeiro parque nacional, o de Itatiaia. Nas décadas seguintes houve esparsa criação de outros parques, e somente nos anos 1980 a política ambiental nacional ganhou corpo, com a Lei 6.938/81. A Constituição Federal declarou, em 1988, o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o dever do Estado em defendê-lo e preservá-lo, com a criação de espaços especialmente protegidos para esse fim: parques, estações ecológicas, áreas de proteção ambiental e outros tipos de unidade de conservação.
A alegação de que a existência do Parque Nacional da Serra do Cipó impede, de forma abusiva, as atividades humanas na região é infundada. A criação de um parque exige tanto a delimitação de sua área – que será mantida intocada, preservada, admitindo-se pesquisas e turismo regulamentados – como a definição de uma região no seu entorno, a ser conservada, continuando nas mãos dos proprietários atuais, mas sujeita a algumas restrições de uso. Não fosse assim, atividades de grande impacto ambiental poderiam ser desenvolvidas a poucos metros dos limites da área protegida, impedindo por exemplo a sobrevivência de espécies ameaçadas e a formação de corredores ecológicos.
É o que acontece no complexo da Serra do Cipó. Ao centro, o parque nacional, que protege hoje uma pequena porção da Serra do Espinhaço – área declarada reserva da biosfera pela Unesco – preservando os principais picos, cadeias montanhosas, nascentes, rios, campos de altitude, cerrado e matas da região, além da rica fauna local. Ao seu redor, a Área de Proteção Ambiental (APA) do Morro da Pedreira, com maior extensão e cuidando de regiões também importantes, mas admitindo ocupação humana. Na APA estarão preservadas matas e montanhas, mas também encontraremos nela áreas com exploração econômica e mesmo urbanização.
Sustentar que a luta pela ampliação do parque não tem respaldo técnico é ignorar a realidade e desconhecer a farta produção acadêmico-científica dedicada à região. No entorno imediato do parque há áreas de extrema importância ambiental, como a encosta leste do Espinhaço, voltada para a região de Morro do Pilar, Santana do Rio Preto e Itabira, com espécies endêmicas. No lado oposto da serra, a região da Lagoa Dourada e as serras da Mutuca e de Contagem também são vulneráveis e importantes, e precisam ser integradas ao parque. A proteção dessas encostas corrigiria o erro da delimitação original do parque, que seguiu as linhas de cumeada e deixou muitas escarpas imponentes fora de seu perímetro.
Uma visão mais ampla reforça a ideia de que é necessário expandir o parque: o crescimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte na direção da Serra do Cipó é um processo já evidente. Ele ganhará fôlego com a futura construção do segmento norte do rodoanel, com a almejada duplicação da BR-381 e com o novo contorno de Lagoa Santa, isso sem falar de empreendimentos minerários e imobiliários que vêm se estabelecendo na região.
As carências estruturais do ICMBio são uma realidade. A duras penas, no entanto, são combatidos os incêndios criminosos, que, periodicamente, assolam o parque, e que muitas vezes têm origem em áreas vizinhas, indicando que uma parcela das comunidades do entorno ainda despreza o valor ambiental da área. Da mesma forma, tais deficiências não impediram ações repressivas que finalmente evitaram que proprietários rurais vizinhos continuassem a colocar rebanhos dentro do parque.
Seria o caso de defender, então, que se desse meios ao órgão para superar os problemas de gestão e as dificuldades operacionais que enfrenta. Jamais, porém, invocá-los como pretexto para discursos contrários à adoção, pelo poder público, de medidas de proteção do meio ambiente. As consequências de uma inércia estatal serão nefastas para a Serra do Cipó e nos serão cobradas pelas próximas gerações.
Já se vão quase 150 anos desde que o então presidente norte-americano Abraham Lincoln – nome muito comentado atualmente, com a premiação do filme que retrata parte de sua vida – assinou o ato que determinava a preservação, pela eternidade e para o desfrute de todos, da região do Yosemite Valley, na Califórnia. Essa foi a primeira área no mundo reservada para a criação de um parque nacional. Nessa mesma época, a naturalista e artista botânica inglesa Marianne North (1830-1890) viajava por Minas Gerais, pintando, maravilhada, nossas montanhas, plantas e aves. Ao visitar o lendário Seminário do Caraça, Marianne relata, em suas memórias, ter perguntado sobre as aulas de ciências da natureza no lugar. A resposta negativa deixou nela uma forte impressão de desinteresse pelo assunto no país.
A verdade é que infelizmente o Brasil começou muito tarde a cuidar mais a sério do meio ambiente. Só em 1937 o país ganhou seu primeiro parque nacional, o de Itatiaia. Nas décadas seguintes houve esparsa criação de outros parques, e somente nos anos 1980 a política ambiental nacional ganhou corpo, com a Lei 6.938/81. A Constituição Federal declarou, em 1988, o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o dever do Estado em defendê-lo e preservá-lo, com a criação de espaços especialmente protegidos para esse fim: parques, estações ecológicas, áreas de proteção ambiental e outros tipos de unidade de conservação.
A alegação de que a existência do Parque Nacional da Serra do Cipó impede, de forma abusiva, as atividades humanas na região é infundada. A criação de um parque exige tanto a delimitação de sua área – que será mantida intocada, preservada, admitindo-se pesquisas e turismo regulamentados – como a definição de uma região no seu entorno, a ser conservada, continuando nas mãos dos proprietários atuais, mas sujeita a algumas restrições de uso. Não fosse assim, atividades de grande impacto ambiental poderiam ser desenvolvidas a poucos metros dos limites da área protegida, impedindo por exemplo a sobrevivência de espécies ameaçadas e a formação de corredores ecológicos.
É o que acontece no complexo da Serra do Cipó. Ao centro, o parque nacional, que protege hoje uma pequena porção da Serra do Espinhaço – área declarada reserva da biosfera pela Unesco – preservando os principais picos, cadeias montanhosas, nascentes, rios, campos de altitude, cerrado e matas da região, além da rica fauna local. Ao seu redor, a Área de Proteção Ambiental (APA) do Morro da Pedreira, com maior extensão e cuidando de regiões também importantes, mas admitindo ocupação humana. Na APA estarão preservadas matas e montanhas, mas também encontraremos nela áreas com exploração econômica e mesmo urbanização.
Sustentar que a luta pela ampliação do parque não tem respaldo técnico é ignorar a realidade e desconhecer a farta produção acadêmico-científica dedicada à região. No entorno imediato do parque há áreas de extrema importância ambiental, como a encosta leste do Espinhaço, voltada para a região de Morro do Pilar, Santana do Rio Preto e Itabira, com espécies endêmicas. No lado oposto da serra, a região da Lagoa Dourada e as serras da Mutuca e de Contagem também são vulneráveis e importantes, e precisam ser integradas ao parque. A proteção dessas encostas corrigiria o erro da delimitação original do parque, que seguiu as linhas de cumeada e deixou muitas escarpas imponentes fora de seu perímetro.
Uma visão mais ampla reforça a ideia de que é necessário expandir o parque: o crescimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte na direção da Serra do Cipó é um processo já evidente. Ele ganhará fôlego com a futura construção do segmento norte do rodoanel, com a almejada duplicação da BR-381 e com o novo contorno de Lagoa Santa, isso sem falar de empreendimentos minerários e imobiliários que vêm se estabelecendo na região.
As carências estruturais do ICMBio são uma realidade. A duras penas, no entanto, são combatidos os incêndios criminosos, que, periodicamente, assolam o parque, e que muitas vezes têm origem em áreas vizinhas, indicando que uma parcela das comunidades do entorno ainda despreza o valor ambiental da área. Da mesma forma, tais deficiências não impediram ações repressivas que finalmente evitaram que proprietários rurais vizinhos continuassem a colocar rebanhos dentro do parque.
Seria o caso de defender, então, que se desse meios ao órgão para superar os problemas de gestão e as dificuldades operacionais que enfrenta. Jamais, porém, invocá-los como pretexto para discursos contrários à adoção, pelo poder público, de medidas de proteção do meio ambiente. As consequências de uma inércia estatal serão nefastas para a Serra do Cipó e nos serão cobradas pelas próximas gerações.
E muito bom abrir um jornal e ainda ler o que acabei de ler. É muito bom saber que está divulgado também em seu blog. Pena que a ignorância ainda impera quando o assunto é o querer bem ao mundo em que vivemos. Pena comprovar que isso não vende revista. E pena ainda maior é saber que as "curtidas" e compartilhamentos em redes sociais, geralmente, passam longe de iniciativas como essa. Parabéns ao blogger e, principalmente, aos autores do artigo. Um, em especial. Mas não vou comentar.
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