quarta-feira, 1 de maio de 2013

Dependência de empregada ["Doméstica", filme]

folha de são paulo

"Doméstica", filme que retrata complexa relação entre empregadas e patrões, estreia um mês após ampliação de direitos trabalhistas
RODRIGO SALEMDE SÃO PAULOO cineasta Gabriel Mascaro, 29, nunca havia questionado as relações de trabalho entre empregados domésticos e seus patrões até que sua mulher, inglesa, bateu o pé: "Não teremos babá em casa quando nosso filho nascer".
"Ela se incomodava com os amigos, alguns ligados a movimentos de esquerda, que tinham a babá dormindo em casa sem pagar hora extra", diz o cineasta pernambucano.
"O fato de ter babá era normal na minha cabeça, mas eu não tinha pensado sobre a situação e passei a me incomodar com o processo. Foi quando decidi fazer o filme."
O filme em questão é "Doméstica", documentário que tem pré-estreia hoje no Rio e em São Paulo, um mês após a promulgação de uma PEC (proposta de emenda constitucional), que amplia os direitos dos empregados domésticos no país ""entre as principais mudanças trabalhistas estão a jornada máxima de 44 horas semanais ou 8 horas diárias e o pagamento de hora extra.
O documentarista colocou câmeras nas mãos de sete adolescentes pelo Brasil para que eles filmassem quem trabalha em suas casas (seis mulheres e um homem).
"É uma idade em que se começa a questionar relações de poder de trabalho. Ao mesmo tempo, esses jovens têm uma relação de cumplicidade incrível com a empregada. Tive amigos que perderam a virgindade com a babá que cuidou deles a vida toda", conta o diretor, que cresceu em uma casa com domésticas.
"A de lá de casa ia ao terreiro tocar tambor para meu irmão passar no vestibular."
O longa segue a missão de capturar personagens ricas e capazes de servir de amostra para a situação de servidão e patronagem no país.
Há a doméstica que foi criada com a dona da casa; a que virou uma espécie de gerente da casa; a que cria cria a filha junto com a patroa; a que comemora o shabat pela primeira vez com a família judaica; e até a que tem uma babá.
"A gente não está falando sobre a situação das empregadas no Brasil, não dá para afirmar que é assim é todo lugar", afirma Mascaro.
"Estou interessado no silêncio da doméstica quando perguntam se ela é livre. Ou na tentativa do patrão em demonstrar a cordialidade. É quando a perversão se mostra. O filme é perverso."
Uma das retratadas no filme, Maria das Graças Santos Almeida, a Gracinha, diz que tem carteira assinada, mas prefere trabalhar à noite e dormir na casa dos patrões.
"Olhei no YouTube a explicação sobre a lei, mas não entendi quase nada. Eles me tratam bem e são justos, mas não vou ser hipócrita de achar que sou da família", conta a trabalhadora baiana.
Mascaro tem opinião parecida. "A PEC é o primeiro passo para terminar com isso. Não esperava uma reação tão conservadora à lei, mas fui ingênuo. Vivíamos em um processo de escravidão legitimado que precisa acabar."
A convite da Folha, uma doméstica e uma patroa comentaram o filme, que estreia em circuito nesta sexta.

    CRÍTICA - DOCUMENTÁRIO
    'Doméstica' não agrada quem espera experiência estética
    Com lado panfletário, filme é propagandeado como obra-prima no Facebook
    SÉRGIO ALPENDRECOLABORAÇÃO PARA A FOLHAQuarto longa de Gabriel Mascaro, "Doméstica" entra em circuito, estrategicamente, na semana do Dia do Trabalho. Perfeito para divulgar o filme, mas também para contemplar as pessoas de nobres intenções sociais que reafirmam constantemente a posição de justos no Facebook.
    É justamente na rede social mais popular que o filme tem sido propagandeado como se fosse uma obra-prima, mesmo por quem ainda não o viu.
    Sete adolescentes registram, por uma semana, o cotidiano de suas empregadas domésticas. O trabalho do diretor consiste em transformar o material em um filme, na linha oportunista de "Pacific" (2009), de Marcelo Pedroso.
    Há uma preocupação em mostrar que a questão da fissura social não é simples, e que existem patrões conscientes da possibilidade tirânica de suas posições. Há também uma necessidade de se mostrar justo e equilibrado, apesar do título indicar para que lado pende a balança.
    Em alguns momentos, o cinema aparece: quando o filme procura nos inserir nos ambientes, entender as pessoas entrevistadas, ver como elas vivem. Em outros, domina o lado panfletário, sobretudo quando as imagens sabotam as palavras das patroas (o que, por outro lado, é curioso, já que tais imagens são de autoria de seus filhos).
    Gabriel Mascaro caiu no gosto das pessoas que dizem amém para tudo que vem da esquerda (ou do que elas pensam ser de esquerda), e consideram "afeto" uma palavra mágica. Isso desde seu segundo longa, "Um Lugar ao Sol" (não confundir com a obra-prima de George Stevens).
    "Doméstica" vai deixar essas pessoas extasiadas. Parece ter sido feito justamente para isso. Dificilmente, contudo, agradará quem espera do cinema uma verdadeira experiência estética. É um acidente de percurso na interessante carreira do diretor.

      DEPOIMENTO
      Empregador é sempre vilão
      MÁRCIA ABUJAMRA NADER, 46ADVOGADA E EMPREGADORA
      No debate após a sessão do filme, o próprio diretor disse achar negativo algo que acho bom: a relação afetiva dos filhos dos empregadores com as empregadas domésticas.
      Se os adolescentes filmaram as empregadas é porque as respeitam, e isso é positivo.
      O empregador é sempre o vilão da história. O governo devolve a responsabilidade ao empregador, mas não dá melhores condições de vida aos trabalhadores. As famílias ainda não têm a estrutura que a PEC exige. Em empresas, por exemplo, as pessoas batem ponto na entrada, no almoço e na saída. Como vamos controlar isso em casa?


      DEPOIMENTO
      Não sou da família
      ELIEUZA PEREIRA DE JESUS, 48EMPREGADA DOMÉSTICAQuando você chama alguém de "secretária", como chamam no filme, você assume que é feio ser empregada doméstica. Eu gosto do termo porque é meu trabalho e não sou menos que ninguém por isso.
      Não gosto quando falam que sou da família. Sei de histórias, costumes e do que gostam de comer, mas sou uma funcionária.
      Não sou escravizada, mas a maioria das domésticas é. Conheço muitas que levam lanche de casa para comer, não têm horário de descanso e acordam de madrugada para servir jantar. A PEC vai ajudar muito nesse sentido. Mas eu durmo no trabalho e gosto de dormir lá, isso não vai mudar.

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