Ovos de ouro negro
Decisão sobre uso dos recursos públicos obtidos com o petróleo é por demais importante para ser tomada sem o devido esclarecimento
O assunto, em si mesmo muito complexo, tornou-se de vez confuso com a aprovação, pela Câmara, de uma proposta que revoga texto sugerido pelo governo federal e aceito no Senado.
Mesmo especialistas no assunto têm se confundido com os termos e as consequências de cada projeto. Isso para não mencionar que os efeitos econômicos dos dispositivos dependem de projeções especulativas sobre a produção de petróleo, preços, valor dos contratos de exploração e taxas de juros internacionais, por exemplo.
São tantas as incógnitas que a prudência recomendaria o adiamento da votação de tais projetos. A pressão das manifestações, num tema intrincado como esse, atua contra o imperativo do esclarecimento público, mas a favor do oportunismo populista e das boas intenções mal fundamentadas.
O que está em discussão é o destino das receitas públicas do petróleo. A princípio, na legislação aprovada entre 2010 e 2012, a parte da União seria destinada ao Fundo Social. Os rendimentos dessa reserva poderiam ser aplicados em diversos programas sociais.
Neste ano, contudo, o debate enveredou pelo uso do próprio capital do fundo, modelo em que o dinheiro poupado também será usado, e não apenas seus rendimentos --em outras palavras, em vez de aproveitar somente os ovos, propõe-se abater a galinha.
A ideia de constituir um fundo se baseia, em primeiro lugar, no objetivo de guardar para as próximas gerações as receitas obtidas com a extração de um bem finito --o petróleo. Preservar essa poupança estende, do presente ao futuro, o benefício dessa riqueza.
Em segundo lugar, a injeção de bilhões na economia pode gerar distorções nada desprezíveis, como inflação e desindustrialização.
O uso parcimonioso também ajuda a combater o desperdício dessas verbas. Eventuais equívocos na aplicação dos rendimentos podem ser corrigidos --basta colocar os próximos ovos em outra cesta. Um erro com os recursos do fundo, no entanto, terá impacto bem maior: equivale a matar a galinha sem tirar proveito com isso.
Além disso, a manutenção do fundo permitirá, no futuro, modificar a destinação dos recursos ao sabor das necessidades sociais e econômicas de cada momento.
Gastar tais recursos de antemão, de acordo com uma decisão tomada em debate açodado, é uma escolha irresponsável.
EDITORIAIS
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Desequilíbrio nos Brics
O FMI adotou tom de preocupação na última semana ao falar sobre as perspectivas da China.A instituição enfatizou o risco de que sua nova projeção de crescimento de 7,8% para o país neste ano seja otimista demais e afirmou que não há substituto na economia mundial para o motor chinês.
Poucos se arriscam a prever o colapso do gigante asiático, mas já há bancos e consultorias esperando um crescimento em 2013 menor do que 7,5%, o que seria o ritmo mais lento desde 1990.
A desaceleração chinesa é necessária. A expansão excessiva dos financiamentos bancários, nem sempre direcionados ao consumo e a atividades produtivas, criou uma bolha nos últimos anos que Pequim agora tenta esvaziar.
A China, mola propulsora da expansão e da fama dos Brics, não é o único país do grupo que precisa colocar a economia em ordem.
Na Índia, um significativo rombo nas transações com o exterior levou a forte desvalorização recente da rupia. A Rússia enfrenta desaceleração econômica provocada pela perda de competitividade do setor privado, exacerbada pelo ritmo lento dos investimentos.
Tampouco há sinais de retomada no Brasil. O indicador que mede a atividade econômica calculado pelo Banco Central apontou em maio a maior contração desde o fim de 2008, e muitos analistas já esperam que 2014 seja tão fraco quanto 2013 --ou pior.
Desequilíbrios, desacelerações e contrações fazem parte dos ciclos econômicos e normalmente são acompanhados por debandada de investidores. Não tem sido diferente com os Brics --que, depois do Japão nos 1980 e das empresas da tecnologia na década seguinte, se tornaram moda no início deste século.
Isso não quer dizer que a euforia com o bloco tenha sido cortina de fumaça. O acrônimo, que soa como "tijolos" em inglês, foi uma boa sacada para reunir um grupo heterogêneo --Brasil, Rússia, Índia, China e, mais recentemente, África do Sul-- que tinha em comum o potencial de crescimento.
Em 2000, somadas, as economias do quinteto representavam pouco mais de um quarto do Produto Interno Bruto norte-americano. Essa proporção saltou para 95% no ano passado, quando as riquezas produzidas pelo grupo atingiram US$ 14,9 trilhões.
Mas a era do boom dos Brics pode estar ficando para trás. O enfraquecimento econômico do grupo tem efeito direto em cada um dos países, com a diminuição do fluxo de comércio e de investimentos. Esse impacto poderá se intensificar se a marca vier a ser substituída por outro modismo de mercado.
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