Hospital de cidade de fronteira sobrevive com médico uruguaio
Contratação de estrangeiros sem diploma válido no Brasil foi decidida pela Justiça para suprir a falta de profissionais
Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul se opõe à medida e fala em exercício ilegal da profissão
Municípios e hospitais ganharam na Justiça o direito de contar com médicos uruguaios e dependem deles para formar equipes mínimas.
Em Quaraí, cidade de 23 mil habitantes, a maioria dos 20 médicos do Hospital de Caridade, o único do município, é do país vizinho. O hospital tem há anos vagas abertas para diversas especialidades.
Com salários na faixa dos R$ 7.000, não consegue atrair profissionais de grandes centros do Rio Grande do Sul.
Assim como Quaraí, outras quatro cidades da fronteira que apelaram para a alternativa e tiveram aval da Justiça são pouco populosas, sem faculdades de medicina por perto e com orçamento limitado.
Um perfil muito próximo dos municípios que o governo pretende beneficiar com a contratação de médicos estrangeiros --projeto que virou bandeira da presidente Dilma Rousseff na saúde após as manifestações de junho.
EXERCÍCIO ILEGAL
O Conselho Regional de Medicina do RS, no entanto, se opõe à contratação de uruguaios sem registro e fala em exercício ilegal da profissão.
Hoje, para que um médico estrangeiro atue no Brasil, ele precisa ser aprovado no Revalida, considerado difícil.
Mas o CRM vem sofrendo derrotas. O hospital de Quaraí, mantido por fundação filantrópica e com atendimento voltado ao SUS, já ganhou em segunda instância o direito de contar com os uruguaios.
Um argumento considerado pela Justiça é um acordo entre Brasil e Uruguai para atendimento de saúde na fronteira. O texto não especifica o tema da contratação de médicos estrangeiros, mas, na interpretação dos juízes, autoriza o trabalho no Brasil sem revalidação do diploma.
Em 2011, o juiz federal Belmiro Krieger afirmou em decisão que não se tratava de escolher entre brasileiros e uruguaios, mas "entre o médico uruguaio ou nenhum."
Quaraí é ligada por uma ponte ao município uruguaio de Artigas, onde moram 40 mil pessoas. As cidades brasileiras mais próximas ficam a cerca de 100 km dali.
A diretora do Caridade, Daniele Garcia, diz que, se não fossem os uruguaios, o hospital iria "fechar as portas".
O hospital faz cerca de 2.000 atendimentos por mês. Sofreu intervenção da prefeitura neste ano e tem dívidas de R$ 10 milhões. Nos últimos anos, se inscreveu em um plano federal que visava atrair médicos ao interior, mas não houve interessados.
CONTRATEMPOS
A contratação dos uruguaios gera contratempos. Os gestores não conseguem pagar esses profissionais com repasses do Ministério da Saúde, já que eles não são reconhecidos. O dinheiro sai do caixa único da prefeitura.
"Atrapalha demais [as finanças]. Poderia fazer obras, mas passa para a folha de pagamento", diz o prefeito Ricardo Gadret (PTB).
Outro problema é que farmácias não aceitam receitas prescritas pelos uruguaios.
"Quando é preciso um remédio que não está na Secretaria da Saúde, pedimos que algum médico brasileiro valide a receita", diz o médico uruguaio Santiago de León, 27, que começou a fazer plantões em Quaraí neste ano.
Clínico geral formado em Montevidéu em 2012, ele diz que revalidar o diploma não é sua prioridade, devido à demora e porque já estuda para provas de residência médica.
Para o médico, além da remuneração no nível da oferecida em seu país, o interesse dos uruguaios pelo trabalho na fronteira também se explica pela demografia. O Uruguai não tem grandes municípios além de Montevidéu.
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