domingo, 14 de julho de 2013

Elio Gaspari

folha de são paulo
Mercadante, o articulador do caos
A extensão de seis para oito anos do curso de medicina penalizará quem ralou pagando faculdade privada
Na condição de articulador de iniciativas da doutora Dilma, o comissário Aloizio Mercadante patrocinou três lances de gênio. A saber:
1) A convocação de uma constituinte exclusiva para fazer uma reforma política. Durou 24 horas.
2) A convocação de um plebiscito para que o eleitorado definisse os marcos da reforma. Durou duas semanas.
3) Com o copatrocínio do ministro Alexandre Padilha, da Saúde, propôs a reorganização do ensino médico, aumentando-o de seis para oito anos.
Na semana passada informou-se aqui que as burocracias do MEC e das universidades federais faziam uma exigência maluca para médicos formados no exterior que quisessem revalidar seus diplomas. Caso queira trabalhar no Brasil, um doutor que se formou em Harvard e trabalha na clínica de Cleveland é obrigado a atestar que mora em Pindorama, mesmo tendo nascido aqui. Sem isso não pode pedir a revalidação, que demora até um ano. Até lá, vive de quê?
A exigência será eliminada, tudo bem, mas havia coisa pior. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, Inep, não sabe dizer quem pôs o jabuti na forquilha do programa Revalida, muito menos por quê. Essa mesma condição é exigida na rotina das revalidações de universidades federais. Puro obstáculo para blindar o mercado. Produto da onipotência dos educatecas.
Agora Mercadante e Padilha querem que os estudantes de medicina trabalhem no SUS por dois anos. Novamente, trata-se de um exercício de onipotência.
Ele se esconde atrás do argumento do aperfeiçoamento dos médicos. Trata-se de uma lorota, pois o Brasil tem medicina há séculos e suas deficiências não derivam da formação dos doutores, mas do desperdício de dinheiro público e da ganância dos interesses privados, inclusive de médicos.
Imagine-se dois estudantes. Aloizio é filho de um banqueiro, estudou em bons colégios e entrou para uma das melhores faculdades de medicina. Como são todas públicas, fará o curso sem desembolsar um tostão. Alexandre é filho de um bancário que trabalha para o pai de Aloizio. Não teve boas escolas, mas foi aprovado numa instituição privada. A família cacifou algo como R$ 300 mil, só em anuidades.
Seria razoável que Aloizio devolvesse em serviços para o SUS os seis anos de faculdade gratuita. Essa é uma antiga proposta de médicos do setor público. Alexandre, contudo, precisa trabalhar para aliviar o orçamento do pai bancário. Tem 26 anos, estuda há dezoito e agora querem obrigá-lo a ir para um regime de liberdade condicional trabalhando no SUS por mais dois, ganhando entre R$ 3 mil e R$ 8 mil (só os mandarins de Brasília acham que essas duas quantias são similares).
Se os comissários fossem menos onipotentes, os dois anos de serviço ao SUS seriam opcionais para quem estudou medicina em faculdade privada.
Quem entende do assunto jura que essa iniciativa, que começaria a valer em 2015, terá o mesmo destino que a constituinte e o plebiscito, pois é mais fácil mudar um cemitério de lugar do que alterar os currículos das faculdades de medicina.
VEM PRO CAPILÉ!
Por mais que centrais sindicais apensas às verbas do Ministério do Trabalho sustentem que suas manifestações movidas a mimos de até R$ 70 são espontâneas, vale lembrar:
Em 1978, quando despontou a figura de Lula, ele se opunha ao oficialismo sindical.
Naquela época Nosso Guia dizia o seguinte, numa carta pública ao senador Petrônio Portella:
"As entidades sindicais nascem, se desenvolvem e desaparecem sob a tutela do Estado. (...) Este estado de coisas decorre da filosofia que presidiu a criação dos sindicatos no Brasil. Fiéis a esta filosofia, os legisladores atrelam as entidades sindicais ao governo, antes de tudo, como órgãos de colaboração. Deles dependente para nascer, viver e morrer, o sindicalismo brasileiro, por tradição histórica, sempre aderiu ao governo e regimes vigentes para garantir sobrevivência."
Hoje a chave do cofre está no bolso do PT. Em 2012, os trabalhadores pagaram R$ 2 bilhões de imposto sindical e as centrais embolsaram 10%. Desatrelamento? Nem pensar.
BONNIE & CLYDE
É implicância falar dos helicópteros do governador Sérgio Cabral. Coisa de pobre.
Michael Bloomberg, o prefeito de Nova York, adora seu Agusta SPA A109S de US$ 4,5 milhões. Não se sabe se ele já levou para sua casa de verão Bonnie e Clyde, os labradores da namorada.
Cabral e seu cachorro Juquinha voam para Mangaratiba num Agusta AW109 que custou US$ 7,5 milhões.
Diferença: Bloomberg pagou o brinquedo com o próprio bolso.
HADDAD PRECISA DAS LIÇÕES DE CARLOS LACERDA
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, poderia estudar as administrações de governantes que pensaram nas cidades que governaram. Gente como Jaime Lerner em Curitiba e Carlos Lacerda, no Rio. Depois de lutar como um gladiador na defesa da tarifa de ônibus de R$ 3,20, argumentado que sua redução para R$ 3 custaria à prefeitura R$ 175 milhões por ano, abriu duas concorrências para a reforma do autódromo de Interlagos. Preço? R$ 161 milhões.
Interlagos só pode ser visto como autódromo por pessoas incapazes de perceber que aquilo não é uma pista de corrida, mas uma área pública, com 1,5 milhão de metros quadrados, pouco menor que o aterro do Flamengo, no Rio. Só a demofobia explica que não seja um parque aberto à população. Há ali toda uma infraestrutura para as corridas, mas no aterro, bem como no parque Ibirapuera, há museus, restaurantes e uma marina. Suas áreas livres servem aos contribuintes, para glória das cidades. Quando a prefeitura quer, Interlagos vira área pública. Lá o padre Marcelo Rossi celebrou uma das maiores missas já realizadas no país. No mais, é uma donataria mecânica.
Neste ano estão programados uns vinte eventos, todos motorizados, inclusive a corrida do Porsche Club (22 e 24 de novembro). Nos dias vagos, nada. Evento sem rodas listado pela SP Turismo, nenhum. Nas últimas décadas, as sucessivas reformas de Interlagos já custaram à Viúva mais de US$ 100 milhões, mas as atividades para bípedes são ralas. Não existe autódromo de Fórmula 1 dentro da malha urbana de uma cidade sem que haja ali um parque. O de Monza convive com as pistas.
Virá o dia em que um prefeito de São Paulo olhará para Interlagos e dirá que ali erguerá um parque. Ele será lembrado como Lacerda com o aterro e Lerner com os calçadões. Até os anos 50 os governantes de São Paulo incomodavam-se com um alagadiço que os índios denominavam de "pau podre". Um dia o governador Lucas Garcez chamou Oscar Niemeyer e fizeram o parque Ibirapuera.

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