Estado de Minas: 11/04/2013
Saíamos em grupo de
um hotel para ir participar de um evento, e naquele tempo de espera da
van que está a caminho, mas ainda não chegou, a mulher olhou para mim
demoradamente, com o ar enviesado de quem tenta um reconhecimento. “Olá,
como vai?”, perguntei amigável querendo ajudá-la. E ela, desconfiada.
“Você é ... você é a ...?” Ainda hesitante, a boca articulou em silêncio
a primeira sílaba do meu nome. “Sim, sou eu ”, e me apresentei – seria
eu a conferencista do evento.
Abriu-se a expressão do seu rosto, senão de alegria pelo menos de alívio, e ao mesmo tempo em que me abraçava contra seu peito abundante, passou-me um braço ao redor do pescoço, virou-me para o outro lado e, rosto colado ao meu, lançou o grito de guerra: “Registra, Antonio! Registra!”.
Armado com seu tablet, Antonio obedeceu. E pensei que ali estava uma pérola rara, um bordão.
Para quantas fotos sorri aquela noite não sei dizer. Mas a cada clique, a cada flash, a lembrança aflorava: “Registra, Antonio! Registra!”, e ria o meu pensamento, mais que nunca consciente da precariedade daquela situação.
Quando eu era criança, minha prima mais velha colecionava fotografias autografadas dos artistas de cinema, que comprava na banca de jornais. Eram em branco e preto – o império das cores ainda não havia sido instaurado –, grandes e brilhantes. Os astros gostavam de assinar enviesado, ocupando com letra alta todo um canto da foto. E para minha prima, aqueles cimélios valiam a custódia no álbum.
Não sou estrela, nem morarei em álbum. Das fotos que recebo no computador seleciono pouquíssimas, o resto devolvo ao espaço misterioso de onde vieram. E cada vez mais me pergunto para que tanta foto.
Meu rosto sorridente, encostado ao rosto sorridente de pessoa que em geral nem conheço, há de ficar sorrindo inútil no espaço inexistente das câmaras modernas, em meio a uma multidão de outros sorrisos, e a registros de pratos de comida, de bebês, de cenas de bar, de paisagens. Quando muito, será transferido para algum computador ainda mais povoado, para perder-se afinal quando a máquina for trocada por outra mais nova.
Sentia-me mais acolhida pela Leica do meu pai, de fotos contadas, sabendo que minha imagem iria depois para a câmara escura e que nos tanques de ácido ressurgiria aos poucos, como se voltasse à vida.
“Registra, Antonio! Registra!” não é apenas um bordão. É a expressão de um conceito. A foto, que antes servia para recordar, agora serve para comprovar, para dar validade aos fatos, para garantir que se esteve ali, que se falou com fulano, que se comeu aquele prato típico, que se fez parte do momento importante. Talvez por isso, uma foto só já não é suficiente. Orgulho é enumerar, de volta da viagem, as centenas de fotos tiradas.
Uma foto bastava, quando a função era evocativa. Olhar aquela disparava o desfilar das lembranças, abria o leque dos momentos e das horas que rodeavam o único momento registrado. A realidade dava um passo para trás, a memória comandava as escolhas.
Com centenas de fotos, o que se quer é consignar a realidade, reconstruí-la através de tantos pontos fotográficos, como se através de tantos pixels. A memória dá um passo para trás, a imaginação se afasta. Ecoa o novo lema: “Registra, Antonio! Registra!”.
Abriu-se a expressão do seu rosto, senão de alegria pelo menos de alívio, e ao mesmo tempo em que me abraçava contra seu peito abundante, passou-me um braço ao redor do pescoço, virou-me para o outro lado e, rosto colado ao meu, lançou o grito de guerra: “Registra, Antonio! Registra!”.
Armado com seu tablet, Antonio obedeceu. E pensei que ali estava uma pérola rara, um bordão.
Para quantas fotos sorri aquela noite não sei dizer. Mas a cada clique, a cada flash, a lembrança aflorava: “Registra, Antonio! Registra!”, e ria o meu pensamento, mais que nunca consciente da precariedade daquela situação.
Quando eu era criança, minha prima mais velha colecionava fotografias autografadas dos artistas de cinema, que comprava na banca de jornais. Eram em branco e preto – o império das cores ainda não havia sido instaurado –, grandes e brilhantes. Os astros gostavam de assinar enviesado, ocupando com letra alta todo um canto da foto. E para minha prima, aqueles cimélios valiam a custódia no álbum.
Não sou estrela, nem morarei em álbum. Das fotos que recebo no computador seleciono pouquíssimas, o resto devolvo ao espaço misterioso de onde vieram. E cada vez mais me pergunto para que tanta foto.
Meu rosto sorridente, encostado ao rosto sorridente de pessoa que em geral nem conheço, há de ficar sorrindo inútil no espaço inexistente das câmaras modernas, em meio a uma multidão de outros sorrisos, e a registros de pratos de comida, de bebês, de cenas de bar, de paisagens. Quando muito, será transferido para algum computador ainda mais povoado, para perder-se afinal quando a máquina for trocada por outra mais nova.
Sentia-me mais acolhida pela Leica do meu pai, de fotos contadas, sabendo que minha imagem iria depois para a câmara escura e que nos tanques de ácido ressurgiria aos poucos, como se voltasse à vida.
“Registra, Antonio! Registra!” não é apenas um bordão. É a expressão de um conceito. A foto, que antes servia para recordar, agora serve para comprovar, para dar validade aos fatos, para garantir que se esteve ali, que se falou com fulano, que se comeu aquele prato típico, que se fez parte do momento importante. Talvez por isso, uma foto só já não é suficiente. Orgulho é enumerar, de volta da viagem, as centenas de fotos tiradas.
Uma foto bastava, quando a função era evocativa. Olhar aquela disparava o desfilar das lembranças, abria o leque dos momentos e das horas que rodeavam o único momento registrado. A realidade dava um passo para trás, a memória comandava as escolhas.
Com centenas de fotos, o que se quer é consignar a realidade, reconstruí-la através de tantos pontos fotográficos, como se através de tantos pixels. A memória dá um passo para trás, a imaginação se afasta. Ecoa o novo lema: “Registra, Antonio! Registra!”.
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