quinta-feira, 11 de abril de 2013

O BNDES e o investimento - Marcelo Miterhof

folha de são paulo

O BNDES só não alavanca o investimento, mas sua ausência seria um obstáculo quase intransponível
Nos últimos anos, os desembolsos do BNDES cresceram expressivamente como parte do esforço contracíclico do governo federal ante a crise financeira internacional, passando a ser alvo de interesse externo e de críticas internas.
Resisti a entrar no debate porque sou empregado de carreira do banco, o que cria algum desconforto para tratá-lo neste espaço. Contudo, numa coluna cujo tema-síntese é o desenvolvimento, não dá para deixar de falar sobre o BNDES, o que se estenderá por duas semanas.
Tem sido renovado o interesse pelos bancos de desenvolvimento (BDs) nos países ricos. A última crise ocorreu após um longo esforço de desregulamentação financeira, dando apoio à visão de que a presença de BDs pode conferir uma estrutura mais robusta aos sistemas financeiros, ao permitir que o Estado atue para mitigar os efeitos de crises e contrabalançar a atuação das instituições privadas.
O papel usual de um banco de fomento é suportar mais riscos do que o mercado financeiro privado geralmente o faz, preenchendo lacunas e criando externalidades. Um BD deve, por exemplo, financiar atividades centrais ao desenvolvimento, como a inovação (num sentido amplo), e a expansão de capacidade em setores-chave, como a infraestrutura.
O BNDES tem um papel relativamente mais proeminente do que outros BDs. A razão é que o Brasil tem convivido com uma grave deficiência macroeconômica estrutural, que são os juros (Selic) altos.
Como o processo mais vigoroso de queda dos juros rumo ao padrão internacional é recente, o BNDES tem um papel singular entre seus congêneres: o de principal financiador de longo prazo em moeda local.
A crítica do liberalismo econômico ao BNDES se baseia na crença de que, ao praticar juro "subsidiado", o banco deslocaria ("crowding out") o crédito privado de longo prazo.
Essa é uma visão principista. Sua raiz é a mesma de que o desenvolvimento seria um fenômeno que ocorreria como uma resposta quase automática ao estabelecimento de condições prévias: inflação baixa, equilíbrio fiscal, educação de qualidade, infraestrutura eficiente, regras trabalhistas flexíveis etc.
O artificialismo da crítica guarda semelhança com a que se fez aos programas de renda mínima, pregando que a transferência direta aos mais pobres retiraria o incentivo ao trabalho para superar a pobreza. Não é que teses como essas não tenham sentido, mas em geral têm pouco compromisso com a realidade.
Em outra visão, o investimento responde a estímulos mais concretos, em especial à demanda percebida pelas empresas. Nela, o BNDES provê crédito em reais a taxas e prazos compatíveis com a rentabilidade esperada dos negócios. A dimensão alcançada pelo banco não é causa, mas consequência da Selic alta.
Sob tal perspectiva, perdem sentido muitas das críticas ao BNDES. Por exemplo, é comum cobrar que grandes empresas poderiam ter acesso ao crédito de longo prazo no exterior. O problema é que o custo de fixar juros em reais (hedge) é alto, o que faz financiamentos em moeda estrangeira não serem apropriados para a maior parte dos negócios.
Cai também a ideia de que o BNDES teria se tornado grande demais. O aumento de seus desembolsos respondeu às necessidades da economia, tanto no seu esforço contracíclico quanto no aumento do patamar da taxa de investimento, que foi de 16% do PIB no período 2000-2007 para 19% nos anos recentes.
Segundo a Área de Pesquisas Econômicas do BNDES, o tamanho de sua carteira em relação ao PIB (10,4%) é menor do que a dos BDs alemão (15,8%) e chinês (11,7%).
Sobre o crédito total é que a participação do BNDES é bem superior, 21,1% ante 12,8% e 8%, respectivamente. Mas isso se deve ao fato de o crédito no país ainda ser baixo, sintoma do padrão de juros altos.
Com a queda dos juros, a participação relativa do BNDES cairá à medida que o mercado de capitais se tornar mais poderoso, algo para o qual historicamente o banco tem trabalhado e está entre os temas a serem tratados na semana que vem.
Como no ditado "é possível levar um cavalo até a beira do rio, mas não obrigá-lo a beber água", o BNDES tem sido crucial para a disponibilidade de financiamento de longo prazo no Brasil, o que não é condição suficiente para alavancar o investimento, mas sua ausência seria um obstáculo quase intransponível.
marcelo.miterhof@gmail.com

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