Entre 2006 e 2012, aumentou para 18,5% a parcela de brasileiras que tomam quatro doses ou mais em duas horas
Números são de estudo nacional sobre consumo de álcool que entrevistou mais de 4.600 brasileiros
É o que revela o segundo levantamento nacional de álcool, divulgado ontem pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Foram entrevistadas 4.607 pessoas com 14 anos ou mais em 149 municípios brasileiros. Desse total, 1.157 eram adolescentes.
Segundo Ronaldo Laranjeira, professor titular de psiquiatria da Unifesp e coordenador do levantamento, o aumento do consumo de álcool por mulheres reflete a maior frequência do ato de beber socialmente, e não em casa.
"Mulheres que socializam como homens estão bebendo tanto quanto eles."
Esse consumo excessivo de álcool é o que os especialistas chamam de "binge", isto é, a ingestão de quatro unidades ou mais de bebida, para mulheres, e cinco unidades ou mais, para homens, em um período curto de tempo (duas horas).
Na pesquisa, uma unidade de álcool equivale a uma lata de cerveja, uma taça de vinho ou uma dose de vodca.
Entre 2006 e 2012, houve um aumento de 31% nessa forma de consumo entre os brasileiros que bebem.
Os dados mostram que, no geral, houve um aumento de 20% na proporção de bebedores frequentes (uma vez por semana ou mais).
ENCHER A LATA
Segundo Laranjeira, o brasileiro tem um comportamento diferente em relação à bebida do observado em outras partes do mundo."Na Europa e nos EUA, há uma taxa baixa de abstêmios e uma taxa alta de bebedores moderados. Aqui, há muitos abstêmios e, comparando com os dados de 2006, quem já bebia passou a beber mais e com maior frequência", disse o psiquiatra.
O levantamento mostra que quase um em cinco bebedores frequentes consome álcool de forma abusiva e tem um comportamento compatível com dependência.
Os dados também revelam que 32% dos adultos que bebem dizem já não terem sido capazes de conseguir parar de beber em alguma ocasião.
É o caso da funcionária pública federal Joyce, 49. Ela conta que sempre bebeu acima da média das amigas. "Enquanto elas estavam no primeiro copo, eu já estava no terceiro." Após os 30 anos, ela perdeu o controle.
"Queria parar, mas não conseguia. Não bastava o fim de semana, comecei a beber também durante a semana. Não rendia no trabalho."
Assim como ela, 8% dos entrevistados que bebem admitem que o uso de álcool já teve um efeito prejudicial no trabalho e 9% relataram que houve o prejuízo à família ou ao relacionamento.
"Minha filha já me viu sair bêbada de um bar. A sorte é que ela foi estudar no interior e não presenciou as piores cenas de bebedeira", diz Joyce, livre do vício há dez anos.
Para Laranjeira, o aumento no consumo excessivo de álcool pela população brasileira reflete o aumento da renda nos últimos anos, principalmente entre as classes mais baixas.
Enquanto na classe A o consumo "binge" se manteve estável, nas classes C, D e E houve, respectivamente, um aumento de 43%, 43% e 48% nesse comportamento.
Os efeitos da Lei Seca também já podem ser percebidos: houve diminuição de 21% na proporção de pessoas que relatam terem dirigido após o consumo de álcool no último ano, em relação a 2006.
Para Ilana Pinsky, professora da Unifesp que também participou do estudo, entre as medidas que podem reduzir o consumo estão o aumento de preço das bebidas e a restrição dos locais de venda e da publicidade. Ela defende ainda mais ações de prevenção e tratamento.
DEPOIMENTO
'Engravidei na balada e não sei quem é o pai'
DE SÃO PAULO
Após 16 anos de alcoolismo, inclusive durante duas gestações, a dona de casa Sueli, 46, conseguiu abandonar o vício.
"Fui abandonada pela minha mãe aos seis anos e passei a ser criada pela minha avó. Era uma família que não gerava amor, gerava álcool. Meus avós, minha mãe e meu irmão, todos eram alcoólatras. Minha irmã morreu de overdose.
Comecei a beber cedo, com 15, 16 anos. Ia aos bailes nos fins de semana, mas era tímida, tinha vergonha de namorar, de dançar.
Aí descobri que, depois de algumas cervejas, me tornava poderosa.
Aos poucos, comecei a beber a partir de quinta-feira. Aos 21, engravidei na balada. Não me lembro de nada. Não sei quem é o pai da minha filha. Mesmo grávida, continuei bebendo.
Tive minha filha, mas não cuidava. Largava com a minha avó alcoólatra e ia para as baladas beber.
Quando minha filha tinha nove meses, resolvi morar com um homem que mal conhecia. Tive sorte, foi um homem que me acolheu, que falou: Pare de trabalhar e cuide da sua filha'.
Mas em vez de cuidar dela, passei a beber mais, só que em casa. Meus vizinhos cuidavam dela.
Começaram as brigas, físicas e verbais. Meu marido chegava em casa do trabalho e queria a esposa. Encontrava uma bêbada.
Quatro anos depois, nasceu minha segunda filha. Também a gerei no álcool. A partir daí, o descontrole foi total. Era minha filha maior que cuidava da caçula, de mim e da casa.
Eu deixava a menor na escolinha, às 10h da manhã. Depois, passava na quitanda, comprava bebida [no começo era cerveja, depois passou a ser pinga com açúcar], começava a beber em casa e apagava.
Um dia, minha filha menor quebrou uma garrafa de vinho e bati tanto que ela ficou dois dias de cama [começa a chorar compulsivamente]. No dia seguinte, eu não me lembrava de nada.
E ela dizia: Eu odeio a senhora, não tenho mãe'. Até hoje ela não me perdoa.
Já a maior conseguiu entender que tudo o que eu fiz foi por causa de uma doença chamada alcoolismo, não foi por maldade.
No dia 13 de janeiro de 1998, decidi dar um novo rumo na minha vida. Liguei para o AA [Alcoólicos Anônimos]. No dia seguinte, ingressei na irmandade.
A partir daí, comecei a ser mãe de fato. Depois disso, tive mais dois filhos, que hoje têm 14 e 11 anos. Eles dizem: Mamãe, eu te amo'. Das filhas mais velhas, nunca ouvi isso."
Nenhum comentário:
Postar um comentário