sábado, 4 de maio de 2013

Chá verde e leveduras viram pele artificial-Junia Oliveira‏

Curativo natural para tratar cortes, queimaduras e lesões é desenvolvido por empresa de biotecnologia brasileira, convidada para montar uma filial na França, em polo de pesquisas na área de biociências 


Junia Oliveira

Estado de Minas: 04/05/2013 

Chá verde e leveduras são os mais novos ingredientes usados numa receita quase caseira para produzir um curativo biológico natural para o tratamento de feridas. O resultado do preparo da bebida, acrescido da fermentação das bactérias, com base num processo de nanotecnologia, produz uma pele artificial capaz de regenerar o tecido danificado por queimaduras, cortes, úlceras e até lesões causadas por radioterapias. O produto, batizado de nanoskin, de aparência semelhante a um papel de seda, é feito por uma empresa de São Carlos (SP) e já está sendo exportado para a França e Emirados Árabes. Além do tratamento médico, pesquisas apontam ainda a possibilidade do uso para fins estéticos.

A técnica começou a ser desenvolvida em 2005. O diretor-administrativo da Innovatec’s Produtos Biotecnológicos, Peterson José Bernardo, explica que as leveduras, espécie de bactéria nociva usada em bebidas lácteas, são colocadas dentro do chá – a bebida é preparada do modo tradicional, com açúcar e infusão – durante sete a 10 dias. Depois de fermentar, é formada uma espécie de gelatina grossa, de aspecto semelhante a uma panceta de porco, que é triturada e desidratada para fazer o papel, ou seja, a membrana para o tratamento médico.


Durante as pesquisas, foi preciso fazer várias mutações nas bactérias para se chegar exatamente àquela adequada ao produto. Por meio da nanotecnologia, as moléculas das leveduras foram sendo alteradas no processo de fermentação até se conseguir fibras microscópicas, da ordem de 20 a 30 nanos. “Bem amarradas e entrelaçadas as fibras ficam mais resistentes. Na nossa membrana, essa formação fibrosa é a mesma da pele humana", afirma Peterson Bernardo. Ele explica os efeitos da pele artificial natural. “A causa da dor é um rompimento e, quando ele ocorre, o cérebro manda uma mensagem para localizá-la. Ao ser aplicada, a membrana religa, em poucos minutos, os pontos partidos, e o cérebro entende que o problema não existe mais. Consequentemente, não há mais dor. Não é efeito anestésico, ela simplesmente faz o papel da pele”, ressalta.


Na prática, a membrana vai substituir a pele temporariamente. Nesse período, alimenta o organismo, nutrindo, assim, as células onde está o problema e acelerando a cicatrização. Em muitos casos, apenas uma aplicação é suficiente. Como o nanoskin é translúcido, é possível acompanhar a evolução, sem precisar retirá-lo. Outras vantagens clínicas apontadas são o menor risco de contaminação e de lesões ao tecido, conforto para o paciente e menor custo de trabalho. O uso também é simples: basta limpar a área lesionada, aplicar a película e umedecê-la com soro fisiológico para aderi-la ao corpo, protegendo-a com uma gaze. A pele artificial não pode ser removida até a cicatrização completa. O tempo para isso dependerá do organismo de cada paciente.


Os testes foram feitos, aprovados e o trâmite na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que começou em 2008, só terminou no fim do ano passado. No Brasil, apenas hospitais particulares adquiriram o produto. “Na rede pública de saúde, o custo com mão de obra, medicamento e leito hospitalar poderia ser reduzido significativamente, pois uma pessoa não precisaria de um monte de remédios nem de ficar internada”, afirma Peterson Bernardo. Ele acrescenta que a diferença para outras peles artificiais é o processo: natural e pela nanotecnologia. As outras seriam composições químicas.

EXPORTAÇÃO Enquanto as negociações se arrastam com as prefeituras, lotes do curativo biológico foram enviados para Paris e Dubai. A França quer ir além e propôs instalar uma filial da empresa em Estrasburgo, no Leste do país. Na região está localizado o polo trinacional (França–Alemanha–Suíça) BioValley, que conta com 12 universidades e que mantém cerca de 3 mil grupos de pesquisa em biociências. A Innovatec’s conta com o apoio da Invest in France,  agência que tem a função de buscar iniciativas inovadoras em países estratégicos, como o Brasil, com potencial para expansão no mercado europeu.


Uma vez que o acordo é firmado, a empresa selecionada recebe uma consultoria para sua instalação na França, que vai da melhor localização às políticas de apoio do governo francês às empresas estrangeiras, incluindo linhas de crédito especiais para pesquisa e desenvolvimento e o financiamento da operação. O salário de pesquisadores franceses e brasileiros que trabalharem na filial da responsável pelo nanoskin, por exemplo, será 50% financiado pelos recursos do governo francês para pesquisa e desenvolvimento.


Métodos alternativos são temporários


Apesar de ser esperança para uma revolução no tratamento de queimados, o chefe do Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), Carlos Eduardo Leão, pondera o uso dos recursos artificiais, a exemplo do novo ensaio com pele reproduzida por meio do chá verde e leveduras, e das peles obtidas por meio da celulose produzida pela bactéria A. xilinum, usadas há algum tempo para tratamento das queimaduras. Segundo ele, esse tipo de recurso é usado temporariamente, pois os materiais são rejeitados após algum tempo, semelhante aos enxertos homólogos (pele de outra pessoa). “Os materiais provenientes de bancos de pele podem ser usados como tratamento das graves lesões, mas são substitutos temporários, uma vez que, depois de 15 dias em contato com o paciente queimado, são rejeitados pelo organismo. Porém, no período em que fica em contato com o paciente, essa pele de outra pessoa cumpre todas as funções protetoras da pele original, melhorando as condições gerais do doente, que poderá, então, receber sua própria pele para a recuperação definitiva”, explica.

Leão acrescenta que as peles de rã e porco também são usadas como substitutas temporárias da pele humana queimada (enxertos heterólogos). As matrizes de regeneração dérmica criadas a partir de proteínas bovinas são substitutos dérmicos (parte da pele) e essas permanecem no organismo e não são rejeitadas. “Porém, os pacientes que se beneficiam delas precisam de enxertos da própria pele para complementar o tratamento. O nanoskin é mais um produto concorrente aos já existentes que se junta ao vasto e caro arsenal para tratamento de pacientes”, avalia.


daqui para o futuro

Testes indicam uso misto

A combinação de chá verde, leveduras e nanotecnologia está sendo estudada também para fins estéticos e uma linha de cosmético está em fase de testes. Um deles teve resultado positivo no combate à celulite. Um dos relatórios comprova que, em 30 dias, a aplicação da pele artificial na área afetada acabou com o problema em terceiro grau (aspecto semelhante a uma casca de laranja) de uma voluntária. Efeitos positivos também nos seios: usado como protetor, é capaz de nutrir a célula e deixar a mama firme. Para mulheres que vão amamentar: voluntárias usaram a pele artificial no bico do seio, o que impediu as temidas rachaduras. Em parceria com a Faculdade de Medicina de Botucatu (SP), pode sair a solução para um olho artificial a baixo custo. Atualmente, o olho de vidro é uma prótese importada dos Estados Unidos, ao custo de R$ 8 mil ao consumidor. Com a mesma técnica da nanoskin, mas com uma gelatina de verdade, de base vegetal ou animal, ela fica mais dura e permite moldar a esfera do globo ocular. O teste de biocompatibilidade foi positivo. A expectativa é que, caso aprovado, o produto chegue ao mercado por, no máximo, R$ 500. 

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