Fernando Reinach - O Estado de S.Paulo - 04/05/2013
Vanzolini deixou uma primorosa coleção de sambas. Algumas rimas revelam seu humor irônico e debochado:
"Mulher que se vira pro outro lado
Tá convocando a suplente
Mulher que não ri não precisa dente".
Vanzolini deixou uma das maiores coleções de répteis. Mas sua maior contribuição foi a descoberta de como surgiu parte da biodiversidade amazônica.
Durante sua viagem a bordo do Beagle, Darwin ficou impressionado com a enorme diversidade de plantas e animais. Como teriam surgido tantas espécies? No livro A Origem das Espécies, Darwin descreve o processo de seleção natural, que ao longo de bilhões de anos deu origem a todos os seres vivos que conhecemos.
Quando a população de uma espécie é dividida em dois grupos, separados por um acidente geográfico (imagine uma população de pássaros que passa a habitar duas ilhas), existe a chance de surgir uma nova espécie. Impedidos de se encontrar, esses dois grupos deixam de acasalar (o que chamamos de isolamento reprodutivo). Como os dois grupos passam a viver em ambientes diferentes (ilhas com diferentes espécies de frutas), aos poucos, sob pressão de diferentes ambientes, sobrevivem os pássaros mais adaptados a cada um dos ambientes (em uma ilha, os bicos ficam mais longos; na outra, mais curtos). Com passar do tempo, essas diferenças aumentam até que os dois grupos deixam de ser capazes de acasalar. Pronto, uma espécie deu origem a duas outras. Esse processo, repetido milhões de vezes, gerou toda a biodiversidade do planeta.
Mas como explicar a origem de espécies em ambientes sem barreiras geográficas? É o caso da Amazônia, uma das regiões com maior biodiversidade. A Amazônia é uma imensa planície, sem montanhas, com uma floresta aparentemente contínua e homogênea. Como teriam surgido as espécies nesse ambiente em que o isolamento reprodutivo parece ser impossível? Foi esse problema que Vanzolini ajudou a resolver.
Vanzolini organizava longas expedições para coletar répteis. Desenhava uma linha reta no mapa da Amazônia e se embrenhava no mato, seguindo trilhas e rios, coletando todos os répteis que podia encontrar. Foi assim que conheceu o Brasil, milhares de quilômetros coletando répteis. De volta ao museu, analisava os animais, classificando cada exemplar, contando escamas, medindo e pesando. Desse modo é possível descobrir como uma espécie varia ao longo de cada uma dessas retas e como a frequência das diferentes espécies varia de região para região. Vanzolini descobriu uma Amazônia mais heterogênea do que imaginava. A distribuição das espécies parecia estar centrada em algumas regiões da Amazônia, como se essas regiões tivessem sido ilhas isoladas no passado.
Com a ajuda de Aziz Ab'Saber, da USP, e Ernest Williams, de Harvard, Vanzolini propôs uma explicação para a origem da biodiversidade amazônica: no passado, a Floresta Amazônica teria encolhido e se expandido diversas vezes. Durante os períodos glaciais, o clima árido fez com que parte da floresta desaparecesse. Nesses períodos, somente algumas ilhas ricas em vegetação teriam se mantido. Nos períodos interglaciais, com o aumento da umidade, as ilhas teriam se juntado, reformando a cobertura florestal. Cada vez que se formavam as ilhas, as populações de plantas e animais se isolavam e novas espécies se formavam. Com o espalhamento da floresta nos períodos úmidos, as espécies se misturavam. Juntando os dados de Aziz Ab'Saber que descreviam essas mudanças climáticas e a localização das ilhas de florestas com a distribuição atual das espécies de lagartos, os três cientistas demonstraram como teria se formado parte da biodiversidade que hoje encontramos na Amazônia.
Esse é o grande legado científico de Vanzolini. Ele desvendou parte do mistério que cerca a origem da biodiversidade amazônica.
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