sábado, 4 de maio de 2013

A PEC 33 vai contra a Constituição? [Tendências/debates]

folha de são paulo

NAZARENO FONTELES
TENDÊNCIAS/DEBATES
A PEC 33 vai contra a Constituição?
NÃO
Contra o despotismo legislativo do STF
A PEC 33/2011, de minha autoria, é uma vacina contra o vírus mutante do despotismo legislativo do Supremo Tribunal Federal.
A lista das "doenças invasoras", causadas por esse mutante é vasta e inclui, entre outras, mudanças na Constituição quanto à fidelidade partidária; a derrubada da verticalização das eleições; a suspensão liminar da lei dos royalties depois da derrubada do veto; aprovação da súmula vinculante que legislou sobre o uso de algemas; redução das vagas de vereadores; suspensão liminar da emenda dos precatórios; decisão sobre a lei do Fundo de Participação dos Estados e a suspensão liminar da tramitação do projeto de lei sobre o fundo partidário.
A lista acima ilustra como o STF tem violado, reiteradamente, as prerrogativas do Parlamento e ferido as cláusulas pétreas da separação dos Poderes e do voto direto e universal, que legitima o Congresso.
Também fere os artigos 1º e 2º da Constituição, que preceitua que "todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente" e que os três Poderes da União são independentes e harmônicos entre si.
Assim, a soberania de mais de 130 milhões de votos é anulada pela Corte, e o Parlamento é humilhado publicamente na sua função legislativa. O que fazer?
Na minha compreensão, e na de conceituados juristas, o Congresso Nacional pode sanar todas as citadas "doenças invasoras", usando o artigo 49, XI, da Constituição, que afirma ser da competência exclusiva do Congresso Nacional zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes. Outro caminho é o Senado usar o artigo 52, X, que já o autoriza a suspender a validade das decisões sobre leis pelo Supremo no prazo que lhe aprouver.
Esses dois artigos, somados aos artigos 103, 1º e 2º da Carta Magna, confirmam que a última palavra sobre a Constituição quem deve dar é o povo, quer pelos representantes eleitos, quer pelo voto direto. Ou seja, "a Constituição não é o que a Suprema Corte diz que ela é, e sim o que o povo, agindo constitucionalmente por meio dos outros poderes, permitirá à Corte dizer que ela é", como disse John Rawls.
A PEC 33/2011 introduz no artigo 97 da Constituição um quórum qualificado de 4/5 dos votos dos membros de tribunais para declarar a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do poder público.
No caso de súmula do STF, o seu efeito vinculante será deliberado por maioria absoluta, num prazo de 90 dias, pelo Congresso.
E, no caso de emenda constitucional, o Congresso terá prazo de 90 dias para deliberar, com quórum de 3/5, se concorda ou não com a decisão da Corte. Se não concordar, convocará consulta popular para que o povo, que é a fonte originária de todo o poder, possa diretamente dar a palavra final sobre o conflito entre os dois poderes.
Assim, o avanço democrático proposto passa pela dignificação do Legislativo e da participação direta dos cidadãos no controle de constitucionalidade sobre questões complexas.
Sempre procurando o equilíbrio, a PEC cria uma barreira contra o despotismo do STF no controle de constitucionalidade, mas, ao mesmo tempo, preserva o Judiciário de excessos do Legislativo, quando remete ao povo a palavra final. Pois, como ensinou Montesquieu, só o poder detém o poder e só com a participação do povo podemos restabelecer o equilíbrio entre os poderes.

    JOSÉ SARNEY
    TENDÊNCIAS/DEBATES
    A PEC 33 vai contra a Constituição?
    SIM
    A desarmonia é inconstitucional
    Foi o ministro Nelson Jobim, quando assumiu a presidência do Supremo Tribunal Federal, quem advertiu para o perigo que constituía a prática de submeter à Justiça a solução dos problemas não resolvidos pela política. Isso não existia no Brasil nem em qualquer democracia.
    A verdade é que, de lá para cá, em nove anos, isso se tornou rotina. Quantas vezes ouvi, como ameaça sobre o resultado de uma votação no Parlamento, a parte vencida dizer: "Vamos recorrer ao Supremo".
    Daí em diante, a Justiça passou a ser a terceira instância da política, que, por pessoas ou ações, está cotidianamente em sua pauta. Nos últimos tempos, a maioria dos julgamentos do STF de repercussão nacional é de assuntos políticos ou com reflexo direto na política.
    Razão assiste a alguns ministros quando dizem que são os próprios políticos que os chamam a decidir sobre seus conflitos. Mas eles não devem fraquejar na sedução de estimulá-los.
    Perdeu-se a noção de que a democracia representativa teve como alicerce a existência dos três Poderes controlados entre si, o chamado "checks and balances", assegurando-se que nenhum deles seja absoluto e que devem funcionar em harmonia. Por outro lado, involuímos no nível do debate político. Estamos desaprendendo que a democracia é o regime da maioria, que, quando erra, o povo corrige nas eleições.
    No Brasil não temos a tradição de lutas entre o Judiciário e o Legislativo, ao contrário dos Estados Unidos, onde viveram sempre às turras. Aqui o Senado, por exemplo, em defesa do Supremo, recusou os nomes de Barata Ribeiro, médico, e dos generais Inocêncio Queiroz e Everton Quadros para ministros do Supremo, indicados por Floriano Peixoto.
    A nossa história é cheia de episódios de luta do Poder Executivo com o Judiciário e o Legislativo. Ambos já foram alvos de atos de força do Executivo, com juízes, ministros, deputados e senadores cassados. Uma página negra foi a anulação, feita por decreto do presidente Vargas, de uma sentença do STF.
    Dizer-se que não há crise entre os Poderes é ter medo da realidade. A história não se faz sem crises, e é delas que se tiram lições. Basta ver a cena exótica dos parlamentares visitando os relatores de demandas para prestar solidariedade. E, fato inusitado, um candidato a presidente da República agradecendo a um ministro sua sentença como se ela fosse uma graça.
    A crise é resultante do desprestígio do Congresso e dos ruidosos enfrentamentos entre parlamentares e decisões. Por outro lado, consequência da sociedade da informação, a mídia, em tempo real, procura dar ao Supremo a posição de novo interlocutor da sociedade democrática.
    É preciso haver uma consciência de que os três Poderes, dentro da separação, têm uma responsabilidade una, o poder do Estado, indivisível, o interesse público.
    Ninguém mais do que eu tem defendido a importância da Justiça e do seu órgão de cúpula no regime democrático. Os ingleses, já no século 17, ao consolidarem o sistema representativo, diziam que, sem a Justiça, era impossível existir a democracia. Ela funciona como poder moderador, ao exercer o controle da constitucionalidade das leis.
    O povo, em sua soberania, entregou ao STF a guarda da Constituição, o pacto fundamental entre a sociedade e o Estado, as regras do autogoverno. É a maior de todas as responsabilidades públicas.
    Essa emenda 33, tentando impor um controle sobre a Justiça --não digo STF--, passa além da insensatez. Não deve tramitar.
    Na América Latina não há uma Justiça tão respeitada como a nossa. Não podemos, assim, além de judicializar a política, politizar a Justiça, chamando-a para apartar os conflitos políticos. Como diz Michel Temer --o professor de direito, não o político--, "a desarmonia é inconstitucional".

    Nenhum comentário:

    Postar um comentário