sábado, 4 de maio de 2013
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João Paulo
Estado de Minas: 04/05/2013
O livro Uma noite em 67, de Renato Terra e Ricardo Calil, é uma espécie de continuação do documentário de mesmo nome, lançado em 2010 e que teve o respeitável público de 80 mil espectadores na salas de cinema (foi depois lançado em DVD e exibido na TV paga). Foi, como informam os autores no prefácio, o mais assistido documentário brasileiro desde Vinicius, de 2005, também um filme sobre a música popular. A sensação de quem assistiu ao documentário é que havia muito mais material para ser conhecido. O que é verdade. Por isso, depois dos inevitáveis e dolorosos cortes para a versão final do filme, restou na mão dos cineastas material suficiente para fazer o livro, que traz a íntegra dos depoimentos de 16 participantes do documentário.
A transcrição das entrevistas contempla artistas, organizadores, jurados e especialistas em festivais. Assim como no filme, as perguntas se voltam para a tentativa de reconstituir a sensação do que era “estar lá”, em 1967, durante o Festival da Record, no Teatro Paramount, em São Paulo, vivendo as disputas que antecediam as apresentações, atravessavam o palco com seus vivas e vaias, e continuavam na vida do país em debates intermináveis e calorosos. Os festivais, de 1965 a 1972, fizeram o Brasil discutir música como quem debate os rumos da nação. Da estética à política era um pulo. Escolher entre a vanguarda e os temas sociais era mais que uma opção de gosto. Neste clima – e com a televisão como ponta de lança, afinal o mercado musical era o mais rico da indústria cultural – os festivais se tornaram o local de reverberação da efervescência artística e ideológica da juventude brasileira, sob o tacão cada vez mais explícito da ditadura militar, que ganhou seu reforço máximo em dezembro de 1968, com a edição do AI-5.
As entrevistas reunidas no livro permitem acompanhar esse processo pela fala dos próprios atores, distanciados no tempo, mas marcados pelo que viveram, o que dá ao mesmo tempo um resultado de balanço e recuperação da memória afetiva. Entre as entrevistas estão a de nomes ligados à organização do evento, como Paulinho Machado de Carvalho, Zuza Homem de Mello (que foi consultor do filme e é autor do clássico A era dos festivais, uma parábola) e os jurados Ferreira Gullar e Júlio Medaglia, que dão a dimensão da qualidade dos eventos em termos poéticos e musicais. No Festival da Record de 1967 disputavam o primeiro lugar canções como Ponteio (Edu Lobo e Capinan), Domingo no parque (Gilberto Gil), Roda viva (Chico Buarque), Alegria, alegria (Caetano Veloso), Eu e a Brisa (Johnny Alf) e O cantador (Dori Caymmi e Nelson Motta), um pouco de tudo que veio a ser carimbado com o rótulo de música de festival.
RIVALIDADE INVENTADA Dos artistas entrevistados no documentário (Jair Rodrigues, Chico Buarque, MPB4, Nana Caymmi, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Sérgio Ricardo, Edu Lobo, Marília Medalha e Capinan, entre outros) aqueles cujas entrevistas ganham mais em sua versão integral são Chico Buarque e Caetano Veloso, talvez pelo fato de representarem uma dicotomia (como todas, inventada para proveito dos que gostam de polêmica). Chico relembra sua participação em outros festivais, fala sobre o tropicalismo (diz que Domingo no parque era sua canção preferida no festival), sobre a vaia para Sabiá (parceria com Tom Jobim), sobre o sentimento de solidão que o afligiu aos 23 anos ao ser considerado alienado. Diz que não se interessa pelo passado (“Juro que não fico pensando muito nessas histórias velhas”) e completa, com humor: “É dura a vida de mocinho. É muito dura”.
Caetano Veloso faz um balanço do momento cultural de 67, do papel da televisão, da entrada do rock em cena, da incorporação do consumo cultural, das ideias do tropicalismo, sobre as quais, confessa, sentia grande orgulho intelectual. Ao fim de seu depoimento, ao lembrar daquele tempo, diferentemente do humor de Chico, parece tomado por certa melancolia: “Tenho saudade do meu apartamento de São Paulo, porque foi a minha primeira casa”. Mas logo recupera a ânsia grande se reinventar e, depois de constatar que o rock é hoje terreno nobre da música, provoca ao descrever sua atual fase: “Entro no terreno nobre para profaná-lo alegremente com a minha mera presença de velho”.
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