domingo, 20 de janeiro de 2013

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » Quando eu era rico‏


Estado de Minas: 20/01/2013 
Estava já escandalizado com o fato de que o Eike Batista havia perdido R$ 11 bilhões e, mesmo assim, continuar bilionário, quando descobri que a distância entre mim e ele não é quantitativamente tão grande. 

Como? 

Tudo é relativo, dizia aquele físico que tocava violino. E venho a descobrir dentro de meus papéis antigos uma informação que me aproxima numericamente de Eike Batista. 

Vou lhes revelar. Houve um tempo, desculpe-me a inconfidência, mas é forçoso dizer: houve um tempo em que eu ganhava cerca de 3 milhões por mês, isso só para escrever crônicas. Vejo num inacreditável recibo do Jornal do Brasil, datado de 1984. Está lá escrito para quem duvidar. Quando Drummond se aposentou naquela data, chamaram-me para substituí-lo e me pagavam essa fortuna. Claro que Drummond merecia esses milhões. Mas, não sei por que, decidiram me pagar aquela mesma quantia. E só agora estou, tardiamente, atônito com esse montão de dinheiro. 

O que é que fazia com essa grana toda? Pergunto-me na condição de quem intitulou seu primeiro livro de O desemprego do poeta.

E para perceberem como não estava naquele tempo muito longe do Eike de hoje, cheguei à conclusão de que, juntando outros trabalhos, faturava uns 10 milhões por mês. Claro que pagava um Imposto de Renda à altura. Pena que não guardei os rascunhos do IR daquela época para vocês poderem aquilatar meu espanto.

Mas devo reconhecer: se você que me lê tem menos de 20 anos, deve estar achando esse papo assaz estranho. Até eu estou perplexo. Mas era assim no Brasil daquele tempo. Ganhava-se muito, muitíssimo.

Estaria você com inveja? 

Gostaria de viver naquela época?

Deixem-me lhes explicar: a inflação, que os mais jovens acham que é apenas uma lembrança numérica que aparece no noticiário, a inflação era de tal monta que, todos os dias, exatamente todos os dias, você tinha que ir ao banco e transferir o seu dinheiro para o overnight.

Sempre achei overnight uma coisa das Arábias, mistério de Elêusis, enfim, o quarto mistério de Fátima! Como é que dinheiro carcomido ao correr do dia, durante a noite, quando ninguém punha mão nele, multiplica-se como coelho? 

De quanto era a inflação naquele tempo?

Vejo registros de que chegou a 211% em 1982. E as teorias abundavam. E falava-se de plano heterodoxo, inflação inercial e memória inflacionária. Houve o Plano Cruzado 1 e 2 e lá pelas tantas cortaram três zeros da moeda. Aí, passei a ganhar menos. Ou mais?

Deve ter sido dessa época a minha sensação de que dinheiro é ficção. Ele vale o que nós dizemos que vale. Esclareço: esse “nós” não sou eu, são “eles”, os que decidem o valor de tudo.

Nos anos 1980, o Brasil vivia algo parecido com aquela coisa surrealista que havia na Alemanha e que levou Hitler ao poder. Lá, dizem, o dinheiro valia tão pouco, apesar de as pessoas ganharem milhões e bilhões, que para comprar qualquer coisa no mercado você levava as notas num carrinho.

Bem. Em 1993, os economistas criaram a Unidade Real de Valor (URV) e em 1994 o real.

E aí não sei se fiquei mais rico ou mais pobre. O fato é que nunca mais ganhei 3 ou 10 milhões por mês.


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