domingo, 20 de janeiro de 2013

Entrevista John Glassie - Rodolfo Lucena

FOLHA DE SÃO PAULO

Mestre dos erros
Inventor de aparelhos impossíveis e formulador de teorias improváveis, jesuíta alemão do século 17 é tema de novo livro
RODOLFO LUCENADE SÃO PAULO
O clássico professor avoado, cientista maluco com a cabeça nas nuvens, formulando teorias improváveis e projetando aparelhos impossíveis, uma mistura do mentiroso barão de Munchausen com o matreiro Pedro Malasartes, mais pitadas de Dom Quixote e Forrest Gump e ainda um toque de Steve Jobs: assim o jesuíta alemão Athanasius Kircher, que causou furor no século 17, é visto por seu mais recente biógrafo, o americano John Glassie.
Professor do nova-iorquino Pratt Institute e colaborador de publicações como "New York Times Magazine", "Wired" e "Salon", Glassie dedicou quase cinco anos à produção de "A Man of Misconceptions: The Life of an Eccentric in an Age of Change" (Um homem de equívocos: a vida de um excêntrico em uma era de mudanças), lançado nos Estados Unidos.
Trata com humor ferino os projetos de Kircher (1602-1680), que escreveu cerca de 40 volumosos livros acerca de assuntos como magnetismo, hieróglifos egípcios, propagação do som e segredos do interior da Terra. Ele chegou a fazer um rapel no Vesúvio para compreender o funcionamento dos vulcões.
Fez experimentos criando aparelhos para amplificar o som, desenvolveu um sistema que pode ser visto como tataravô do projetor cinematográfico e propôs excentricidades como o piano de gato.
Apesar de, mesmo em sua época, ser visto por alguns como piada ou fraude, deu uma grande contribuição à ciência, diz Glassie nesta entrevista realizada por e-mail.
Por que escrever hoje sobre Athanasius Kircher, considerando que muitas de suas ideias se provaram erradas?
John Glassie - Não há como negar que ele esteve errado sobre um grande número de questões. Mas muitos de seus equívocos só são mesmo equívocos vistos a partir de hoje. Ele é um ser humano fascinante, como um personagem de um grande romance, mas também nos ajuda a entender o que estava acontecendo no século 17, uma época de transformação e transição da mágica e do misticismo para a ciência moderna.
Uma das criações atribuídas a Kircher é o piano de gato, mas o senhor foi cuidadoso no livro em não afirmar que o artefato efetivamente existiu.
O piano de gato vem sendo ligado a ele há muito tempo. A melhor descrição que eu encontrei foi escrita por um devotado assistente dele, então acho que a ideia, pelo menos, veio de Kircher. Não está claro se o artefato foi produzido, mas acredito que a simples ideia baste. Mil perdões a todos os amantes de gatos.
Que criação dele o senhor considera mais importante?
Seu principal legado é o espírito de exploração e investigação que, acredito, inspirou muita gente. Ele instigou pesquisadores de gerações posteriores a testarem seus projetos e afirmações. Muitas de suas teorias sobre o funcionamento do mundo puderam mais tarde ser testadas e, sim, provadas falsas -o que é um serviço muito valioso.
Ele ajudou a divulgar o microscópio, o telescópio e a lanterna mágica (precursora do projetor cinematográfico). Sua enciclopédia de dois volumes sobre música foi o texto-base do tema no século seguinte. Ele também teve influência na concepção da Fonte dos Quatro Rios, criada pelo grande artista Gian Lorenzo Bernini e instalada na praça Navona, em Roma.
Depois de suas pesquisas, quem é Kircher para você?
Ao escrever sobre ele, eu estava menos interessado em determinar sua importância como homem de ciência do que em contar a história de alguém que acreditava estar predestinado a ser lembrado para sempre. Claro que exploro no livro, com humor, seu carreirismo, egocentrismo e sua ambição, mas também lembro que essas coisas, em menor escala, são muito comuns, humanas. Espero que, no final, ele apareça mais como uma figura simpática do que um tolo.
No último capítulo, o senhor destaca que, apesar das fraudes e dos seus equívocos, Kircher deu uma grande contribuição à ciência.
Ele deu mais contribuições do que podemos identificar e nem todas positivas.
Uma lição que me fica da produção desse livro é a noção de que se chega ao progresso por caminhos misteriosos, o que inclui erros, mal-entendidos, equívocos.
As coisas não são tão coerentes e ordenadas como às vezes a gente gosta de pensar. E nem sempre é fácil dizer, a cada momento dado, quais ideias ou projetos vão dar certo e quais vão falhar ou se transformar em piada.
E as pessoas nem sempre influenciam as coisas da maneira como imaginam que o farão. É possível até mesmo argumentar que Kircher teve algo a ver com o desenvolvimento da psicoterapia, o movimento New Age e os escritos de Edgar Allen Poe e Júlio Verne. Você nunca sabe aonde vai chegar.
A história de Kircher lembra fatos que ocorrem ainda hoje no mundo da ciência, como fraudes e plágios...
Digo apenas que a ambição e o desejo por fama e celebridade não são novos na humanidade.

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