Ailton Magioli
Estado de Minas: 20/01/2013
“Agora estou normal, sou a Ana”, reage Ana de Hollanda, de 64 anos, ao ser perguntada se preferia ser chamada de ministra ou se poderia ser tratada como a cantora e compositora que sempre foi. Substituída no comando do Ministério da Cultura (MinC), em setembro, por Marta Suplicy (PT-SP), ela garante não ter nada a esconder na volta à rotina, preferindo viver de free-lancer enquanto cuida da abertura da própria empresa, para prestar consultoria e assessoria, paralelamente à retomada da carreira artística.
O anunciado quinto disco solo já está a caminho, mas não de imediato, como faz questão de lembrar. “Já liguei para compositores como Nivaldo Ornelas, Novelli – o pernambucano mais mineiro que conheço –, pedindo melodias para letrar”, revela Ana, recém-chegada da Bahia, onde foi visitar a neta Ana, de 6 anos, filha de Ruth, de 38. O filho Sérgio, de 40, é pai dos outros dois netos da ex-ministra: Theo, de 13, e Bernardo, que vai comemorar 3 no dia 19.
Com material inédito que havia guardado desde quando assumiu a pasta da Cultura, em janeiro de 2011, Ana de Hollanda lembra que o lado compositora é o que mais lhe interessa, ainda que o ritmo de trabalho agora seja diferente. “É um outro mundo, longe da pressão”, compara com a atuação em Brasília, fazendo questão de lembrar que vai continuar militando na política cultural. “Estou antenada, discutindo e encontrando pessoas para tratar do assunto”, garante.
“A questão político-partidária é complicada. É barra pesada, não me interessa. Não sei jogar dessa forma, me recuso. Prefiro não participar”, diz a ex-ministra, confessando que, mesmo tendo sido procurada, se recusou a fazer algo do gênero. Ex-comunista, foi filiada ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), que, nos anos 1990, se tornou Partido Popular Socialista (PPS), Ana lembra que, mesmo não tendo sido filiada ao Partido dos Trabalhadores (PT), fez todas as campanhas do então candidato a presidente Luíz Inácio Lula da Silva, trabalhando inclusive na elaboração do programa de governo.
“Na última eleição, ainda no governo, fiz campanha para todos os candidatos do partido, que, depois, meio que sumiram”, pondera a ex-ministra. Ana esteve filiada ao Partido Comunista do fim dos anos 1970 até a mudança para PPS, nos anos 1990. “Peguei o período clandestino e o legal do partido, até a candidatura de Roberto Freire”, recorda. As campanhas de Lula ela fazia quando ainda morava em São Paulo. Já a da presidente Dilma Rousseff, quando já estava morando no Rio, Ana diz que apoiou, mas não de forma tão ativa.
“A minha posição com a política sempre foi muito ideológica”, avalia a ex-ministra, leitora atenta de obras como A democracia e os comunistas no Brasil, clássico do pensador brasileiro Leandro Konder, que trazia à tona a discussão da aprovação das mudanças com o necessário apoio popular. “Não entrei na luta armada, mas a ideia é ela que deveria ter a aprovação da população. Esta questão, aliás, foi responsável pelo grande racha na época da ditadura. Enquanto a esquerda optou pela luta armada, o Partidão não entrou”, recorda Ana de Hollanda, adepta das decisões pela via democrática. “As coisas não podem ser resolvidas por uma cúpula”, prega a ex-ministra, admitindo que mesmo no Partido Comunista o centralismo democrático foi sempre mais centralista do que democrático.
“A decepção foi esta”, confessa Ana de Hollanda, que, com a decisão dos partidos em abandonar a questão ideológica, socialista, diz ter perdido o interesse em “carregar o piano”. “Continuo defendendo o socialismo. Temos de trabalhar juntos da população. Utópico? Sim, até romântico, mas se tiver algo que me mobilize vou fundo.” Secretária municipal de Cultura de Osasco, na Grande São Paulo, de 1986 a 1988, quando ainda era comunista, Ana esteve à frente do Centro de Música da Fundação Nacional de Arte (Cemus/Funarte) de 2003 a 2007.
Patrimônio Em Brasília, no Ministério da Cultura, Ana de Hollanda diz ainda ter feito sua parte. “Trabalhava da manhã até a meia-noite. Era alucinante”, recorda, salientando a necessidade de pensar o MinC a médio e longo prazos. “Cultura, economia criativa, o Brasil é muito rico culturalmente. Dá para estimular, mapear a cadeia produtiva para ela não depender tanto do governo, das leis de incentivo e dos patrocinadores.”
A proposta dela à frente do ministério foi estimular e defender a criação e os criadores. “Se não defender este núcleo, não vai haver produção”, justifica. Ela lista o artesanato, o design, as artes visuais, a música, o cinema e o teatro entre os setores que mais produzem no país. Na opinião de Ana de Hollanda, o Brasil é um país muito criativo. “Não trabalhar isso é muito perigoso”, acredita a ex-ministra, cuja gestão, garante, investiu em todos os setores. “Inclusive no de patrimônio, em especial em Minas Gerais, que, com tantas cidades tombadas, incluímos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) das Cidades Históricas.”
Depoimento
Nivaldo Ornelas - músico e compositor, parceiro de Ana de Hollanda
“Conheci a Ana ainda no tempo da Secretaria Municipal de Cultura de Osasco (SP). Ela me foi apresentada por uma amiga comum e a partir daí nos tornamos amigos e parceiros. Ela é uma figura doce, suave, sempre alegre, aliás uma característica da família. Sua aparência frágil na verdade esconde uma força interior muito grande. Acho que ela (juntamente com o Antônio Grassi, na Funarte) fez um bom trabalho no Ministério da Cultura (MinC). A classe artística já está colhendo os frutos do que foi proposto por eles. Espero que a atual gestão dê continuidade a este trabalho. Já conversei com a Ana e dentro de alguns dias vamos retomar a nossa parceria. Muito trabalho pela frente, muitas canções por fazer!”
Entre apoios e oposição
Continuo defendendo o socialismo. Temos de trabalhar juntos da população. Utópico? Sim, até romântico, mas se tiver algo que me mobilize vou fundo - Ana de Hollanda, cantora e compositora |
Estruturar a política cultural a curto, médio e longo prazos era o objetivo da então ministra, que hoje se diz contente com a recente sanção da lei do vale-cultura pela presidente Dilma Rousseff, criado ainda em sua gestão, a aprovação e regulamentação do vale-cultura, como faz questão de lembrar, não dependia dela. “Estava no Congresso, ao qual fiz inúmeras visitas, apesar de nada depender de mim. Sem apoio político tudo fica mais difícil”, ressalta, salientando a importância da negociação no cenário de Brasília.
“Tenho certa frustração em ter deixado muita coisa pronta e de, em um ano e meio de gestão, não tê-las visto se realizarem. Estavam na Casa Civil e dependiam de outros ministros. Às vezes, dependia de algo no terceiro escalão e não conseguia realizar.” Ela reconhece que relação boa com a Presidência da República é importante, mas a sustentação política pode ajudar. “Às vezes falava e pedia aos ministros e não conseguia. Por que as coisas não andam? É o jogo político, uma verdadeira guerra. Sem o apoio é o processo de desgaste”, afirma.
Ana de Hollanda tem certeza de que havia apoio ao trabalho dela no MinC vindo do mundo da criação. “Uma meia dúzia me criticava. Eram sempre os mesmos, que não eram da classe artística”, garante a ex-ministra, contabilizando mais de 90% de apoio da categoria à gestão dela. A oposição, segundo avalia, pelo menos na área do direito autoral, vinha de pessoas que tinham relação com os provedores de internet.
“Gente ligada aos sites de busca, que investem valores grandes no meio. E fui comprar briga com este mundo”, surpreende-se a própria Ana de Hollanda, consciente, no entanto, de que fechou a “torneira” de muita coisa. “Tudo que havia de inadimplência e de irregular eu mandava para os órgãos de controle”, recorda, garantindo que a pressão será a mesma com Marta Suplicy à frente do ministério. “O que saía na mídia era alimentado por esta oposição de interesses, em que rolava muito dinheiro”, conclui, em tom de denúncia.
Discografia
» Ana de Hollanda, Estúdio Eldorado, 1980
» Tão simples, Movie Play, 1994
» Um filme, Jam Music, 2001
» Só na canção, CPC-Umes, 2009
No YouTube, a ex-ministra pode ser vista cantando o samba inédito Para voltar, com letra dela, que fala da saída do MinC, e melodia do parceiro Cláudio Guimarães.
“Tenho certa frustração em ter deixado muita coisa pronta e de, em um ano e meio de gestão, não tê-las visto se realizarem. Estavam na Casa Civil e dependiam de outros ministros. Às vezes, dependia de algo no terceiro escalão e não conseguia realizar.” Ela reconhece que relação boa com a Presidência da República é importante, mas a sustentação política pode ajudar. “Às vezes falava e pedia aos ministros e não conseguia. Por que as coisas não andam? É o jogo político, uma verdadeira guerra. Sem o apoio é o processo de desgaste”, afirma.
Ana de Hollanda tem certeza de que havia apoio ao trabalho dela no MinC vindo do mundo da criação. “Uma meia dúzia me criticava. Eram sempre os mesmos, que não eram da classe artística”, garante a ex-ministra, contabilizando mais de 90% de apoio da categoria à gestão dela. A oposição, segundo avalia, pelo menos na área do direito autoral, vinha de pessoas que tinham relação com os provedores de internet.
“Gente ligada aos sites de busca, que investem valores grandes no meio. E fui comprar briga com este mundo”, surpreende-se a própria Ana de Hollanda, consciente, no entanto, de que fechou a “torneira” de muita coisa. “Tudo que havia de inadimplência e de irregular eu mandava para os órgãos de controle”, recorda, garantindo que a pressão será a mesma com Marta Suplicy à frente do ministério. “O que saía na mídia era alimentado por esta oposição de interesses, em que rolava muito dinheiro”, conclui, em tom de denúncia.
Discografia
» Ana de Hollanda, Estúdio Eldorado, 1980
» Tão simples, Movie Play, 1994
» Um filme, Jam Music, 2001
» Só na canção, CPC-Umes, 2009
No YouTube, a ex-ministra pode ser vista cantando o samba inédito Para voltar, com letra dela, que fala da saída do MinC, e melodia do parceiro Cláudio Guimarães.
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