JAIME GINZBURG
Estrangeiro sob suspeita
Um professor universitário é humilhado por funcionário de aeroporto nos EUA e não sabe o motivo. Os meses seguintes no país seriam de inquietação
Um professor universitário brasileiro desembarcou no aeroporto de Washington. Seu destino era Minneapolis, onde atuaria como professor visitante na Universidade de Minnesota. Ele foi conduzido a uma sala, e ali foi mantido por uma hora e meia.
Nesse período, foi insultado, constrangido e humilhado. Segundo o funcionário do balcão, em seus documentos, uma assinatura deveria ser apresentada em cor azul, mas a tinta usada era preta. Isso era suficiente para uma suspeita de fraude.
Nessa sala, acompanhou as situações de quatro homens, três deles pareciam árabes e um deles, africano. O funcionário desrespeitou de modo exemplar a todos eles. Depois de 50 minutos de abuso de autoridade e bullying, o professor, fisicamente exausto, disse que se dispunha a voltar ao Brasil e resolver junto ao consulado o problema.
A reação foi de que, se fizesse isso, teria um registro impedindo-o de voltar aos Estados Unidos em cinco a dez anos. O professor disse que lidaria com isso. O funcionário respondeu que essa não era atitude esperada de um professor.
Ao final de uma hora e meia, o funcionário disse que permitiria que o docente fosse a Minneapolis, com a expectativa de receber novos documentos da universidade. Mais adiante seria notificado se seria deportado ou não.
As atividades na universidade foram iniciadas. Enquanto não teve resposta do U.S. Immigration and Customs Enforcement, o professor não podia ter um cartão de seguridade social e, por isso, não podia regularizar sua situação bancária e seu pagamento. E não poderia voltar ao Brasil com tranquilidade.
Por algum tempo, o professor manteve, com inquietação, a percepção de que, de fato, deveria ter cometido algum erro e era responsável pelo problema. No entanto, conversando com muitas pessoas, percebeu que seu caso não era único.
Perante o funcionário no aeroporto, todos os documentos acadêmicos, papéis referentes à cooperação internacional e à pesquisa, foram considerados irrelevantes. Se de fato o problema fosse uma assinatura, poderia ser resolvido de vários modos pacíficos. O que ocorreu foi um problema de espaço público e de significado político.
Diante de intimidação e gritos ameaçadores e de meses prejudicado por não regularizar sua legalidade, o professor queria ir embora e nunca mais voltar.
Nas universidades brasileiras, a cooperação internacional tem sido muito valorizada. Mas supõe que, em outros países, exista interesse por trabalhos desenvolvidos no Brasil. Esse professor pretendia contribuir para o incremento de estudos brasileiros. É errado mistificar a expectativa de colaboração. Ser um professor universitário não torna ninguém menos vulnerável.
A cooperação internacional em pesquisa traz muitas dificuldades, é um desafio orçamentário e exige anos de trabalho para estabelecer confiança recíproca. É inaceitável que ela seja danificada por uma conduta caracterizada, como esse funcionário bem expressou, por arrogância, desprezo e ameaça.
Não surpreende que, em um país em que os problemas educacionais são muito graves, o valor do conhecimento seja neutralizado pelo princípio da intimidação e do medo.
Foi muito triste ter sido esse professor, humilhado ao chegar e vivendo como suspeito por um longo tempo nos Estados Unidos. Certo de que ninguém merece agressão por causa de uma cor de assinatura e sem saber exatamente por que fui tratado desse modo, voltei ao Brasil ponderando que posso ter sido detido por causa de minhas sobrancelhas. Em Minneapolis, muitas pessoas acreditavam que eu era árabe.
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ANTONIO ANASTÁSIA
Um modelo inovador de gestão prisional
O primeiro presídio do Brasil construído por meio de parceria público-privada se baseia no modelo inglês, que valoriza o trabalho do detento
O ano de 2013 começa com uma auspiciosa e inédita notícia: inauguramos, em janeiro, em Minas Gerais, a primeira das cinco unidades do primeiro complexo penitenciário construído no Brasil por meio de parceria público-privada (PPP).Não se trata apenas de abrir mais vagas, mas de colocar em funcionamento uma penitenciária-modelo, concebida por meio de um arranjo institucional altamente inovador. São palavras-chaves nessa legislação: trabalho e escola, ressocialização e humanização. E todas têm de ser parte do cotidiano dos presídios.
Ao custo de R$ 230 milhões, desembolsados exclusivamente pelo parceiro privado, erguemos em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, um complexo que irá abrigar, ao longo de 2013, com as cinco unidades completas, 3.040 detentos, em regime fechado e semiaberto. A iniciativa coroa a política que implantamos no Estado: as vagas no sistema prisional saltaram de 5.656 para 28.603, entre 2003 e 2012, um aumento de mais de 406%.
Temos feito um esforço ciclópico para humanizar todas as cadeias, não apenas as novas. De 2010 para cá, houve um crescimento de 52,5% do número detentos trabalhando. Com esse desempenho, Minas é o Estado que, proporcionalmente à população carcerária, possui mais detentos trabalhando no país. O número de presos estudando também cresceu 9,16% no último ano.
Licitada em 2010, a PPP prisional em Minas inspirou-se no modelo inglês, que põe em relevo a oportunidade de trabalho para os presos, mas não permite que o parceiro privado lucre com ele.
Nossa PPP foi estruturada da seguinte forma: o consórcio que venceu a licitação arca com a arquitetura, a construção e a operação da penitenciária e o Estado só começa a pagar um valor per capita a partir do ingresso do detento.
Para garantir a qualidade da infraestrutura e dos serviços pactuados, esse valor só é desembolsado integralmente se o gestor privado cumprir as metas estabelecidas em um conjunto de 380 indicadores de desempenho, entre os quais o número de presos trabalhando e estudando.
São avaliadas também as assistências médica, odontológica, psicológica, social e jurídica que devem ser oferecidas, com qualidade, aos presidiários. O parceiro privado responde ainda pelos investimentos em tecnologia de ponta para monitoramento de presos.
Caberá ao governo do Estado manter seu papel de fazer cumprir as penas, em conjunto com as demais instâncias do Judiciário. Permanece ainda com a esfera pública a responsabilidade pelo transporte dos sentenciados, a segurança externa e das muralhas e a imediata intervenção no complexo em situação de crise ou confronto.
A PPP prisional consolida duas tendências importantes do governo de Minas Gerais. A primeira é a busca pela modernização da gestão pública, sem sucumbir às armadilhas ideológicas ou às falsas dicotomias. O que se buscou foi a maneira mais eficiente de usar os recursos públicos e de alcançar os melhores resultados para os cidadãos. Assim, o projeto inaugurou uma moderna forma para implantação, operação e manutenção da infraestrutura prisional.
Em segundo lugar, a concretização da PPP prisional é parte da construção de um efetivo sistema de defesa social. Desde 2003, R$ 40,5 bilhões foram investidos em infraestrutura, equipamentos e recursos humanos. O que buscamos é uma política de segurança ancorada nas dimensões humana, estrutural e administrativa, pelo bem-estar da sociedade.
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