domingo, 20 de janeiro de 2013

Obama pode ter pior 2º mandato em anos

folha de são paulo

Reeleito em novembro, presidente norte-americano começa segundo período enfrentando polarização política
Para democrata, maior chance de fazer avançar a sua agenda está na reforma da legislação sobre a imigração
ANDREA MURTACOLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE WASHINGTONMuito pouco da Washington invernal e vazia desta véspera da segunda posse de Barack Obama, oficializada amanhã, lembra a cidade que assistiu em ebulição à posse do presidente em 2009 -um prelúdio do que pode ser o segundo mandato mais difícil para um líder dos EUA em décadas.
Ainda que a vitória nas urnas em 2012 tenha sido maior que a esperada -Obama foi o primeiro presidente em mais de 50 anos a obter mais de 51% do voto popular duas vezes-, a Casa Branca continua enfrentando extrema polarização política, divisão do Congresso, onde a ala radical republicana comanda a Câmara, economia tépida e uma lista de batalhas por iniciar.
Analistas divergem quanto a um tom mais ou menos catastrófico para os próximos quatro anos, mas praticamente todos concordam que Obama só deverá aprovar medidas diluídas, à exceção talvez da reforma migratória.
"A Casa Branca pode esperar a mesma intransigência da oposição vista no primeiro mandato", afirmou à Folha Barak Hoffman, diretor do Centro para Democracia e Sociedade Civil da Universidade Georgetown.
Se os republicanos não ficaram mais conciliadores, o Obama que não precisa mais correr atrás de votos sinaliza atuação bem mais agressiva.
Desde novembro, já mostrou isso em algumas ocasiões: defendendo veto a certos tipos de armas e munição, indicando que vai acelerar a retirada do Afeganistão e insistindo no nome do ex-senador republicano Chuck Hagel para a Defesa, apesar da oposição dos neoconservadores.
Institucionalmente, porém, a oposição ainda tem os votos para barrar iniciativas.
"A expectativa é de crise em cima de crise", disse à Folha um assessor republicano sênior do Senado, que pediu anonimato. "Não há nenhuma convergência entre prioridades dos dois partidos."
Com isso, a disputa por mudanças no Orçamento deve definir o legado do segundo mandato. Democratas querem elevar impostos, e republicanos, cortar os gastos sociais. Após ceder no primeiro mandato, o presidente quer tentar aumentar a tributação, mas vai precisar de habilidades na negociação que ainda não mostrou possuir.
"É possível que ele reduza o investimento social no longo prazo, já que é indiscutível que a maior causa do deficit são gastos com saúde pública", disse à Folha Alexander Keyssar, analista político da Universidade Harvard.
Outra disputa ligada ao Orçamento é a do teto da dívida pública, definido pelo Congresso (US$ 16,4 trilhões hoje). A toda hora batendo no limite, a Casa Branca trava batalha com os republicanos sempre que pede extensão.
Enquanto isso, a economia segue a passo lento. Obama parece pouco disposto a elevar gastos públicos, o que para democratas aceleraria a recuperação. O desemprego é de 7,8%, e o PIB deve crescer pouco mais de 2% em 2013.
CAMINHO ABERTO
A maior chance de o presidente fazer avançar sua agenda está na reforma migratória. Há bem menos resistência à questão depois da eleição de 2012, quando os republicanos obtiveram péssimos resultados no crescente eleitorado latino, e Obama quer aproveitar o momento para criar um caminho para a cidadania para parte dos 11 milhões de indocumentados.
Quanto ao controle de armas, nem o presidente está confiante de que medidas robustas serão aprovadas.
Na política externa, os resultados devem ser mistos. O risco de o Afeganistão voltar às mãos do Taleban antes do fim do novo mandato é alto. O Irã, apesar de pouca chance de guerra aberta, promete ser uma pedra no sapato.
A reforma financeira e a política ambiental parecem ter ficado em segundo plano.
Esse é, aliás, o mesmo destino das celebrações da posse. Jennifer Pera, democrata que vendeu seu ingresso para um dos bailes do final de semana, achou que a quantia de US$ 150 era alta para pouca festa. "O clima é muito diferente de 2009."
São esperadas até 800 mil pessoas na festa da posse, amanhã. Quatro anos atrás, o número foi de 1,8 milhão.

    DIA DA POSSE
    Presidente jurará sobre exemplar da Bíblia que foi de Luther King
    DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS - Amanhã, quando Barack Obama subir ao palanque para fazer o juramento para o segundo mandato, receberá das mãos da mulher, Michelle, dois exemplares da Bíblia: um que pertenceu a Abraham Lincoln -o mesmo que usou na posse de 2009- e outro que era do ativista Martin Luther King Jr.
    A escolha é carregada de simbolismos. Amanhã, os EUA comemoram seu feriado nacional em homenagem a Luther King, que fez seu famoso discurso "Eu tenho um sonho" há 50 anos. Os dois -tanto Lincoln como Luther King- foram atores fundamentais na luta contra a escravidão e a segregação racial, respectivamente.
    Obama não será o primeiro a jurar sobre duas bíblias: Harry Truman (1949), Dwight Eisenhower (1953) e Richard Nixon (1969) também o fizeram.
    Fontes dizem que o ex-presidente George W. Bush não deve comparecer à posse.

      ANÁLISE
      Presidente tem chance de deixar um grande legado
      GERALDO ZAHRANESPECIAL PARA A FOLHABarack Obama foi o primeiro presidente negro dos EUA, aprovou uma ampla reforma do sistema de saúde, matou Osama bin Laden e foi reeleito com uma economia fraca e desemprego alto.
      Foi o único ocupante da Casa Branca a apoiar o casamento de pessoas do mesmo sexo, oficializou a participação de homossexuais nas Forças Armadas e retirou as tropas do Iraque. Os próximos quatro anos decidirão a posição de Obama na lista dos grandes presidentes do país.
      Os desafios são muitos. A recuperação da economia continua lenta. Em dezembro, o Fed anunciou que a meta de desemprego de 6,5% só será alcançada em 2015.
      Novo pacote de estímulo federal é improvável, dado o endividamento federal de US$ 16,4 trilhões. Contando só os títulos na mão de terceiros, a dívida pública é de impressionantes 72,8% do PIB.
      Mesmo assim, Obama conseguiu vitórias importantes ao término de seu primeiro mandato. O Partido Republicano foi obrigado a aceitar a elevação de impostos para a camada mais rica da população. Nos próximos meses, a disputa partidária será reproduzida em discussões sobre limite da dívida pública, cortes de gastos e Orçamento.
      Alterações nas leis de imigração são outra pauta democrata. Em junho, Obama suspendeu a deportação de jovens imigrantes que tivessem estudado ou feito serviço militar nos EUA, concedendo-lhes autorizações de trabalho. Republicanos, que sempre favoreceram duras regras de criminalização e deportação de imigrantes, terão de reavaliar posições depois do péssimo resultado eleitoral junto a grupos latinos.
      O massacre na escola primária em Newtown, em dezembro, reabriu a discussão sobre armas de fogo. A Casa Branca já apresentou 23 medidas para conter a violência com armamentos.
      Foi a terceira tragédia em dois anos. Em 2011, uma tentativa de assassinato no estacionamento de um supermercado deixou seis mortos e 13 feridos. Em julho de 2012, um atirador matou 12 pessoas e feriu 58 em um cinema. A opinião pública será peça importante para vencer a resistência republicana a mudanças.
      Ambiente, energias renováveis e mudança climática também serão pauta.
      A seca histórica e o furacão Sandy, que atingiram o país em 2012, trouxeram o assunto à tona. A gradual recuperação da economia pode tornar os custos da legislação climática aceitáveis.
      A estratégia é clara: resolver questões orçamentárias o mais rápido possível e ganhar tranquilidade para dedicar-se a outros temas. A crise de identidade de oposição e as mudanças na opinião pública favorecem o presidente.
      Tudo passará por retomada da economia e acordos bipartidários, mas, se obtiver sucesso em quaisquer desses temas, o legado de Obama terá impacto por gerações.
      GERALDO ZAHRAN, professor da PUC-SP, é coordenador do Opeu - Observatório Político dos EUA (www.opeu.org.br).

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