Uma das mais importantes coleções de arte
contemporânea latino-americana, que estava na Suíça, ganha espaço
definitivo no Rio de Janeiro com a inauguração da Casa Daros
Mariana Peixoto
Do Rio de Janeiro
Estado de Minas: 31/03/2013
Uma suíça com grande interesse por
arte e pelo colecionismo. Um alemão com conhecimento da arte
latino-americana e olho para descobrir novos artistas. Em 2000, Ruth
Schmidheiny e Hans-Michael Herzog juntaram forças para montar o embrião
da Casa Daros. Treze anos mais tarde, com um acervo de 1,2 mil obras de
117 artistas contemporâneos, da década de 1960 até a atualidade, começam
a revelar um trabalho minucioso que traduz seriedade, persistência e
apuro.
Revelar, no caso, para os brasileiros. Porque ao longo da
última década a Coleção Daros Latinamerica viajou mundo, além de ter
sido visitada, sistematicamente, em sua primeira sede, em Zurique (que
funcionou em 2010). Porém, desde o momento inicial, a intenção era que a
arte da América Latina fosse vista em seu próprio local de origem. Até
encontrar o edifício construído em 1866 e que pertenceu à Santa Casa de
Misericórdia, pensou-se também em Buenos Aires e Havana.
“Quando
entraram nessa casa não resistiram, porque, apesar de ser muito maior
do que o espaço que procuravam (pensavam em algo de não muito mais do
que 1 mil metros quadrados), aqui revela a vontade deles, um espaço de
arte e educação e que é também um ponto de encontro”, afirma Isabella
Rosado Nunes, diretora geral da Casa Daros. O prédio foi adquirido em
2006 por R$ 16 milhões. Na época, a intenção era que o processo de
restauro e reforma não levasse mais do que três anos.
“Quando
falamos em abrir em 2008, 2009, era pura ansiedade e falta de
conhecimento do que o projeto iria demandar”, acrescenta. Até a
inauguração, há uma semana, foram consumidos R$ 67 milhões (com recursos
da Daros Latinamerica). O processo de restauro foi absolutamente
minucioso. Portas, janelas, piso foram recuperados. Houve preciosismos,
como numerar cada uma das partes da madeira que cobrem a principal sala
para, uma vez restauradas, serem devolvidas a seu lugar de origem. Para
além das exposições, o museu conta com cafeteria, restaurante, loja e
auditório.
A imagem de Nossa Senhora das Graças, que marca a
fachada da Casa Daros, foi mantida. Ganhou inclusive releitura de Vik
Muniz, que criou uma nova imagem formada a partir dos objetos e
escombros da própria obra. Durante dois anos, o material foi recolhido e
levado para o ateliê que o artista mantém em Parada de Lucas. Lá, foi
montada a instalação, de grandes proporções. A fotografia, hoje parte do
acervo do museu, está exposta numa das primeiras salas da Casa Daros,
na mostra Para saber escutar, voltada para arte-educação.
A
intenção é que, por ano, ocorram de duas a três exposições. Em cartaz
até setembro, Cantos cuentos colombianos, com curadoria de Hans-Michael
Herzog, apresenta 75 trabalhos de 10 artistas da Colômbia. A mostra,
apresentada anteriormente em Zurique entre 2004 e 2005, serviu para
reavaliar a arte colombiana em seu país de origem e em todo o mundo,
como explica o curador no texto de apresentação do catálogo. “Por mais
de sessenta anos, a violência e a guerra têm se espalhado pelo país...
Sob condições de vida tão extremas é natural que os artistas não busquem
a arte pela arte, mas sim tratem da situação política e social de seu
país”, escreveu Herzog.
Entre a dor e a ironia
Há
mensagens claras, como na série de fotos David (2005), de Miguel Ángel
Rojas. O nome da obra e, curiosamente, o do próprio autor remetem ao
icônico David de Michelangelo. O espectador mais atento vai logo
perceber que o rapaz da foto havia sido mutilado por uma mina. Muitas
imagens fortes (trabalhos com imagens de desaparecidos são recorrentes)
acabam sendo anuviadas por obras com bastante ironia. Nadín Ospina criou
esculturas inspiradas em peças do período pré-colombiano. Chamou
falsificadores de peças arqueológicas que criaram cerâmicas com os
mesmos materiais. Só que as imagens são de Mickey, Minnie, Pateta e até
Bart Simpson, uma das mais visitadas da mostra.
O processo de
realização das obras dos colombianos é destacado, em explicação feita em
vídeo pelos próprios artistas, em outra área do museu. Terminada essa
exposição, o argentino Julio Le Parc vai ganhar grande mostra na Casa
Daros. O programa Meridianos vai unir duplas de artistas de diferentes
gerações e países para conversar com o público. Estão confirmados, por
exemplo, nomes como Carlos Cruz-Diez e Waltercio Caldas e Julio Le Par e
Iole de Freitas. As salas de exposições convergem para um grande pátio.
“As pessoas têm olhado para ele e falado que temos que fazer coisa ali.
Mas inicialmente estamos mostrando uma coleção. Queremos primeiro
sentir o que é isso em vez de fazer um monte de eventos paralelos, já
que o nosso projeto coloca o holofote na arte”, diz Isabella Rosado
Nunes.
De acordo com ela, a Casa Daros pode se manter, com seus
próprios recursos, pelos próximos 10 anos. “Não significa que a gente
não vá usar renúncia fiscal, pois não seria inteligente, já que estamos
num país com legislação que permite ter parcerias. Até agora não
utilizamos nada como uma decisão estratégica. E não deixamos de ter
ofertas. Conseguimos manter independência nesse sentido, mas sinto que
podemos enriquecer o projeto com uma série de programas que utilizem
leis de incentivo. Só não estamos buscando isso agora”, conclui.
CASA DAROS
Rua
General Severiano, 159, Botafogo, Rio de Janeiro, (21) 2275-0246. De
quarta a sábado, das 12h às 20h; domingo e feriados, das 12h às 18h.
Ingressos: R$ 12 e R$ 6. Nas quartas-feiras a entrada é franca (até 14
de abril a entrada para todos os dias também é franca). A mostra Cantos
cuentos colombianos fica em cartaz até 8 de setembro.
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