Estado de Minas - 31/03/2013
‘‘O jogador de futebol morre duas vezes. A primeira, quando para de jogar’’
• Paulo Roberto Falcão
De
repente, não há mais gritos da torcida, as crianças não lhe pedem
autógrafo nas ruas, o dono do restaurante não mais o recebe de braços
abertos. As arrancadas ficam escassas, as dores aumentam e o tempo no
departamento médico supera o dos minutos em campo. A idade se torna um
marcador implacável e a aposentadoria, impossível de ser driblada. A
bola que consagra pode se tornar também o cadafalso.
"O jogador de futebol morre duas vezes. A primeira, quando para de jogar." A frase do ex-jogador e técnico Paulo Roberto Falcão sintetiza a realidade dos atletas que passam dos 30 anos e estão perto de pendurar as chuteiras. "Acaba de um dia para o outro. É complicado pensar nisso", diz o atacante Fábio Júnior, de 35. "É triste, porque eu amo jogar futebol", confessa Marcelinho Paraíba, de 37, armador do Boa. "Sonhei durante muito tempo que estava no vestiário, fazendo uma jogada ou batendo pênalti...", comenta o técnico do Cruzeiro, Marcelo Oliveira, que se aposentou aos 30, em 1985.
Autor da afirmação que se tornou quase um preceito do futebol, Falcão acredita que muitos jogadores vivem um personagem – e como tal creem que a vida de holofotes vai ser eterna. "O futebol tem muita gente envolvida. Amigos, mídia, assédio, exposição... É preciso saber que isso não é para sempre. Para evitar o impacto, ele precisa ter convivência com pessoas de fora desse mundo, se preocupar com a postura longe dos gramados, fazer sempre uma autoanálise", destaca o treinador, que frequentou psicanalista por 17 anos para conviver melhor com o sucesso. "Desde o começo sabia que tudo teria um fim. Aprendi a não ser escravo do que a vida de jogador me proporcionava", justifica.
A partir de hoje, o Estado de Minas apresenta a série de reportagens “Rumo à primeira morte”, com depoimentos exclusivos de jogadores que estão no limiar da aposentadoria. Como eles encaram o fim de carreira e se preparam para quando os holofotes se apagarem. Alguns jogam por amor, outros por necessidade. Longe dos altos salários, atletas que fizeram a vida em times do interior recorrem aos livros, a concursos públicos e aos pequenos empreendimentos. Jogadores de sucesso internacional, por sua vez, buscam reconstruir a carreira, driblando a desconfiança e tomando fôlego para disputar vaga com os mais novos. Embora trilhem caminhos diferentes, o destino apresenta a mesma interrogação: qual a melhor hora de parar?
"O jogador de futebol morre duas vezes. A primeira, quando para de jogar." A frase do ex-jogador e técnico Paulo Roberto Falcão sintetiza a realidade dos atletas que passam dos 30 anos e estão perto de pendurar as chuteiras. "Acaba de um dia para o outro. É complicado pensar nisso", diz o atacante Fábio Júnior, de 35. "É triste, porque eu amo jogar futebol", confessa Marcelinho Paraíba, de 37, armador do Boa. "Sonhei durante muito tempo que estava no vestiário, fazendo uma jogada ou batendo pênalti...", comenta o técnico do Cruzeiro, Marcelo Oliveira, que se aposentou aos 30, em 1985.
Autor da afirmação que se tornou quase um preceito do futebol, Falcão acredita que muitos jogadores vivem um personagem – e como tal creem que a vida de holofotes vai ser eterna. "O futebol tem muita gente envolvida. Amigos, mídia, assédio, exposição... É preciso saber que isso não é para sempre. Para evitar o impacto, ele precisa ter convivência com pessoas de fora desse mundo, se preocupar com a postura longe dos gramados, fazer sempre uma autoanálise", destaca o treinador, que frequentou psicanalista por 17 anos para conviver melhor com o sucesso. "Desde o começo sabia que tudo teria um fim. Aprendi a não ser escravo do que a vida de jogador me proporcionava", justifica.
A partir de hoje, o Estado de Minas apresenta a série de reportagens “Rumo à primeira morte”, com depoimentos exclusivos de jogadores que estão no limiar da aposentadoria. Como eles encaram o fim de carreira e se preparam para quando os holofotes se apagarem. Alguns jogam por amor, outros por necessidade. Longe dos altos salários, atletas que fizeram a vida em times do interior recorrem aos livros, a concursos públicos e aos pequenos empreendimentos. Jogadores de sucesso internacional, por sua vez, buscam reconstruir a carreira, driblando a desconfiança e tomando fôlego para disputar vaga com os mais novos. Embora trilhem caminhos diferentes, o destino apresenta a mesma interrogação: qual a melhor hora de parar?
'Estou buscando conhecimento'
Renan DamascenoGilberto Silva
Gilberto Aparecido da Silva
36 anos
• Nascimento: 7/10/1976, em Lagoa da Prata l Altura e peso: 1,84m e 74kg
• Posição: volante
• Clubes: América, Atlético, Arsenal (ING), Panathinaikos (GRE), Grêmio e Atlético
Gilberto Silva é a voz baixa e mansa da experiência. Volante da Seleção Brasileira em três Copas do Mundo – titular em 2002 e 2010 e reserva em 2006 –, o mineiro voltou ao estado natal em dezembro, com contrato de uma temporada com o Atlético, depois de uma década longe do alvinegro, defendendo Arsenal, Panathinaikos e Grêmio. Aos 36 anos, afirma estar "preparando bem a cabeça para virar uma página importante da vida", que é como costuma tratar a aposentadoria. Por enquanto, se cuida nos treinos para desempenhar bem a função de zagueiro ou volante, quando solicitado pelo treinador Cuca.
"Não é só o corpo que precisa de cuidado. A cabeça também, para lidar com as diversas pressões. Por ser mais experiente, a gente passa a ser mais cobrado em determinadas situações e, se você não consegue desempenhar bem a função dentro de campo, as pessoas começam a achar que você não está mais apto para ajudar. Você tem de ter a cabeça no lugar para não se frustrar", comenta.
Gilberto sempre teve estrela. No primeiro ano como profissional, em 1997, ajudou o América na conquista do título da Série B do Brasileiro. Em 2000 conquistou a Copa Sul-Minas pelo Coelho, antes de se transferir para o Atlético e ser campeão mineiro. Depois do título da Copa do Mundo’2002, atuando nos sete jogos, foi negociado ao Arsenal. Na estreia no clube londrino, fez o gol do título da Copa da Inglaterra. Após nove temporadas na Europa, acertou com o Grêmio em 2011, voltando ao Galo no fim do ano passado. Segundo ele, o respeito que conquistou é fruto de sua postura. "Sempre cultivei uma imagem positiva na minha carreira, trabalhando sério. E é assim que vou continuar, para cumprir bem meu contrato com o Atlético."
CURSOS ON-LINE A chance de ficar perto da mulher e dos filhos pesou para Gilberto Silva aceitar a proposta do Galo e retornar a Minas. Depois da aposentadoria, que ainda não tem data marcada, pretende se dedicar aos filhos e descansar. Continuar no futebol é uma possibilidade, mas não é a prioridade do atleta. "Estou buscando conhecimento fora do futebol. Quando tenho tempo, faço cursos on-line de administração, marketing e recursos humanos. Quero dedicar mais tempo aos estudos para seguir carreira de administrador depois de parar."
O artilheiro virou vereador
Ditinho
Francismar Rosa dos Santos, 41 anos
• Nascimento: 21/3/1972, em São José dos Campos-SP
• Altura e peso: 1,70m e 66kg
• Posição: atacante
• Clubes: Guarulhos, Noroeste, Paulista, URT, Passos, Funorte e Hortolândia-SP
Os 12 anos dedicados à URT renderam a Ditinho 1.386 votos nas eleições municipais do ano passado, votação suficiente para elegê-lo vereador em Patos de Minas, no Alto Paranaíba. Maior artilheiro da história da URT, com 103 gols em mais de 200 jogos, o atacante abandonou os gramados aos 40 anos para se dedicar exclusivamente ao Legislativo.
A ideia de se lançar candidato era antiga e tomou força depois de problema de saúde que o tirou de combate. Em março do ano passado, Ditinho passou mal durante partida contra o Araxá, pelo Módulo II do Mineiro. Após o jogo, foi levado para a UTI, onde se submeteu a vários exames. A tomografia mostrou uma obstrução do canal do rim direito, totalmente comprometido, obrigando a retirada do órgão.
"Coincidiram o período de recuperação, a idade avançada e a vontade de me candidatar. Queria retribuir à cidade todo o carinho que recebo nas ruas desde que cheguei aqui. É um trabalho completamente novo, mas aos poucos estou aprendendo direitinho", comenta o vereador, que tem dois filhos que sonham ser jogadores de futebol: Luiz Henrique, de 15 anos, e Ially Henrique, de 14, vão fazer teste nas categorias de base do Cruzeiro no mês que vem.
POSSÍVEL RETORNO Habituado à nova rotina e totalmente recuperado, Ditinho sonha em voltar a defender as cores azul e branca. Cogitou disputar o Clássico do Milho, com o arquirrival, Mamoré, marcado para hoje, mas a falta de tempo para os treinos e divergências com membros da diretoria adiaram seu retorno. "Estou jogando, mas não profissionalmente. Tenho vontade de defender a URT, mas está faltando tempo para treinar. É difícil conciliar, sempre tem uma coisa nova para fazer, um compromisso ou alguma reunião na Câmara."
Para Ditinho, ficar de fora do duelo que o consagrou – é o maior artilheiro do clássico com 12 gols – ainda é difícil. "A gente sente falta de jogar. É difícil ficar assistindo da arquibancada. Apesar de ter feito 41 anos, ainda estou bem e teria condições de voltar a jogar. Às vezes, dá vontade de descer, calçar a chuteira e correr com a bola rumo ao gol." (R.D)
'Choque será inevitável'
Renan Damasceno
Tinga
Paulo César Fonseca do Nascimento
35 anos
• Nascimento: 13/1/1978, em Porto Alegre
• Altura e peso: 1,70m e 62kg
• Posição: volante
• Clubes: Grêmio, Kawasaki Frontale (JAP), Botafogo, Sporting (POR), Internacional, Borussia Dortmund (ALE), Internacional e Cruzeiro
Tinga chegou ao Cruzeiro em maio do ano passado e já impôs respeito. Exemplo para os mais novos, o volante de 35 anos assinou contrato até dezembro de 2014, quando estará prestes a completar 37. Pretende cumpri-lo integralmente, se possível com título. Em seguida, quer curtir a família, tocar projetos sociais que mantém em Porto Alegre, estudar e desfrutar de uma vida tranquila – de preferência, longe do futebol.
"Estou me preparando para parar de jogar desde os 32 anos, quando terminou meu contrato com o Borussia Dortmund. E minha mente começou a trabalhar em função disso. O choque vai ser inevitável, mas vai ser menor. Comecei a estudar inglês, já que falo alemão fluentemente, faço curso de oratória. Eu me preparo para ter outro ambiente longe do mundo da bola e fazer amizades com pessoas que, quando eu parar de jogar futebol, vão continuar comigo, porque não me conhecem apenas como jogador", comenta o volante, que cuida de dois projetos sociais em bairros carentes da capital gaúcha: o Esporte Clube Cidadão, em parceria com Dunga, e o Aspirantes de Cristo, com o zagueiro Leo, companheiro no Cruzeiro.
Nascido no Bairro da Restinga – que originou o apelido –, Tinga é um líder nato. Aconselha os mais novos, principalmente sobre as ilusões e armadilhas do futebol. Por causa dos cinco anos na Europa e pelas passagens em grande clubes, tem conhecimento tático que arranca elogios de treinadores. No entanto, não pensa em se tornar técnico, apesar de não esconder a curiosidade pelas funções administrativas dos clubes.
Quando chegou ao Cruzeiro, fez questão de conhecer todos os detalhes do funcionamento dos oito andares da sede administrativa, no Barro Preto. "Conhecimento nunca é demais. A coisa mais valiosa que a gente tem é o aprendizado. Na vida, a gente estando pronto, pode competir em qualquer área do mercado. Sou curioso, gosto de aprender."
DESGASTE Tinga acredita que os jogadores brasileiros são vítimas da rotina pesada de jogos e treinos e por isso chegam aos 30 anos já próximos da aposentadoria. "Todo atleta com mais de 30 que joga em alto nível hoje no futebol brasileiro esteve pelo menos dois anos no exterior. Aqui fazemos 80 jogos. Lá fora, 40. No exterior, treinamos uma vez por dia, você pode viver. Jogou, treinou, acabou. Aqui, psicologicamente, você fica desgastado", compara.
Reforço no time da prefeitura
Erivelto
Erivelto Alexandrino da Silva, 30 anos
• Nascimento: 7/4/1982, em Guarulhos-SP
• Altura e peso: 1,84m e 79kg
• Posição: atacante
• Clubes: Juventus, Inter de Limeira-SP, Cataratas de Foz-PR, Rio Branco-SP, Corinthians-AL, FK Qabala (AZE), XV de Jaú-SP, Flamengo de Guarulhos-SP, Canedense-GO, Náutico, Brasiliense, Trindade-GO, Fluminense de Feira-BA, Botafogo-PB e América-TO
Contratado em dezembro do ano passado para defender o América-TO no Campeonato Mineiro, o atacante paulista Erivelto, de 31 anos, surpreendeu a todos ao pedir desligamento do clube no mês passado, por motivo inusitado: passou em um concurso público de auxiliar administrativo na Prefeitura de Guarulhos, Região Metropolitana de São Paulo. O salário, de menos de R$ 2 mil, é inferior ao recebido no futebol, mas ele optou pela estabilidade.
Erivelto casou-se em dezembro, tem uma filha de 5 anos e quis ficar mais perto da família, na cidade em que nasceu. Conta que, por causa dos treinos, não teve tempo nem para a lua de mel. No ano passado, ficou desempregado, sem nenhuma fonte de renda, antes de assinar com o Botafogo-PB. O receio de passar por problemas semelhantes depois da aposentadoria o encorajou a prestar o concurso. O resultado foi surpreendente: 14º lugar entre mais de 3 mil concorrentes.
"Se a gente olhar as estatísticas, a maioria esmagadora dos jogadores de futebol ganha salários entre R$ 3 mil e R$ 5 mil, uma realidade muito diferente da vivida pelos atletas de grandes clubes. Se o jogador tiver a cabeça no lugar, dá para comprar uma casa, carro...", diz Erivelto, que começou a trabalhar no novo emprego há duas semanas. "Senti um friozinho na barriga na hora em que entrei na sala, igual ao que sentia nos estádios", brinca.
VOLTA AOS GRAMADOS Erivelto ainda está aprendendo o novo ofício, conhecendo os serviços de escritório e almoxarifado. Mas, se até o ano passado ele precisava procurar time para jogar, agora tem o passe disputado no campeonato interno. "O pessoal da garagem veio me chamar para o campeonato da prefeitura, mas as inscrições estavam encerradas", conta. Na semana passada, ele estreou na Copa Kaiser, mais tradicional campeonato de futebol amador do país, defendendo o Classe A, que pertence a um velho amigo.
O ex-jogador, que ainda sonha em fazer faculdade de nutrição, dá risadas sobre a repercussão de sua aposentadoria. "Esses dias, no almoço, o Fred estava em um programa de TV falando sobre Teófilo Otoni, sua cidade natal. Aí, um funcionário, na outra mesa, começou a falar sobre um jogador que jogava naquela cidade e estava trabalhando na prefeitura. Eu me levantei e falei: ‘Esse cara sou eu!’.” (R.D)
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