Instituto Moreira Salles iniciou recentemente o processo de higienização, catalogação e conservação do material
Coleção de discos do violonista inclui desde nomes como Jamelão e Ataulfo Alves a Frank Sinatra e Hebe Camargo
Ao longo de 13 anos, a viúva do violonista nascido em Varre-e-Sai, interior do Rio, Silvia Eugênia de Souza, viu o acervo deixado por Powell ser tratado com indiferença por instituições públicas e privadas.
A situação começou a mudar no fim de 2012, quando ela e os filhos, o pianista Phillipe Baden Powell e o violonista Marcel Powell, assinaram um acordo de comodato com Instituto Moreira Salles para que a instituição cuidasse do acervo.
Recentemente, o instituto recebeu o material que por mais de uma década ficou guardado nos armários da casa em que o músico morou com Silvia, em Itanhangá, na zona oeste do Rio.
PROCESSO CUIDADOSO
A Folha teve acesso ao "baú aberto" do compositor, que atualmente está em fase de higienização, para depois ser catalogado.
"Ainda está tudo meio desorganizado. Tem bastante coisa escrita, mas temos de olhar com cuidado, analisar a caligrafia, por exemplo, para ver se é a letra do Baden", explica Bia Paes Leme, coordenadora de música do IMS, que já cuida de acervos como o de Pixinguinha.
A instituição pretende convidar Mauricio Carrilho para analisar as partituras.
"O Mauricio teve o mesmo professor que o Baden, o Meira [Jayme Florence], conhece muito o assunto."
E foi justamente o zelo com a obra de Pixinguinha um dos motivos que levaram a família de Baden a entregar o acervo ao instituto.
"Em casa tudo era cuidado com carinho, mas você não consegue guardar direito, sobretudo pelas condições climáticas, que não são as ideais. Falei com os meninos [os filhos] e vi como eles [IMS] tinham cuidado das coisas do Pixinguinha. Na mão da gente, o material se perde", conta Silvia.
DE CHOPIN A HEBE
Do material, os únicos itens que foram contados são as fotos, 94, além de três violões de Baden (um argentino, um alemão e um Del Vecchio, dado de presente por outro violonista consagrado, Luiz Bonfá, morto em 2001).
O instituto ainda não sabe avaliar se algo foi perdido ou muito prejudicado pelo fato de ter ficado durante anos guardado em condições caseiras.
Na etapa inicial já se sabe que algumas "masters" (fitas com gravações de áudio) estão emboloradas.
O acervo tem também muitos cadernos de estudo de Baden, com métodos e temas de Chopin e Bach (evidenciando a influência dos eruditos), de Andrés Segovia (a escola do violão espanhol) e de Guerra Peixe (quem assina os arranjos do antológico "Os Afro-Sambas", lançado em 1966 por Baden e Vinicius).
Em relação às partituras, ainda não foram identificadas composições inéditas pelo instituto. Mas no material que será digitalizado estão manuscritos de "Berimbau" e "Canto de Iemanjá", com observação de Baden sobre a "6ª corda em Ré", um detalhe primoroso e autoral para a execução da música.
Outra parte importante e curiosa são os discos que Baden ouvia, que demonstram a diversidade da personalidade musical do compositor.
Na coleção, o instrumental, com Jacob do Bandolim e Severino Araújo, e o samba, com Herivelto Martins, Jamelão e Ataulfo Alves.
Além de temas internacionais com Frank Sinatra e nacionais com Hebe Camargo cantando "Mambo Italiano" e "O Banjo Voltou".
"De vez em quando recebemos propostas do exterior, temos de cuidar da memória de um compositor fantástico. A cabeça dele era só nota musical, não tinha espaço para mais nada", diz a viúva do músico.
Filho guarda 40 músicas inéditas e prepara um livro sobre o pai
Bilhete de Powell revela desejo de ter obra adaptada para balé
Em 2009, por uma recomendação feita por Baden, Phillipe contou com a ajuda do violonista e arranjador Mario Adnet, com quem lançou o disco "Afrosambajazz".
O álbum, com temas escritos para uma formação de big band, trazia releituras de clássicos como "Berimbau" e "Canto de Ossanha" e algumas inéditas.
Hoje, o pianista, que mora em Paris, guarda com ele cerca de 40 composições de Baden nunca lançadas.
A intenção é de publicar algumas em um livro e de também fazer um segundo volume de "Afrosambajazz", novamente com Adnet.
"Ainda tem pano pra manga. Tem muita coisa que papai deixou sem título, só com o nome de 'Tema nº1', 'Tema nº2'... Ele deixou só a melodia anotada, eu tenho de fazer a harmonia. Devo consultar o Mauricio Carrilho. Ainda vou mexer nesses manuscritos em breve", diz Phillipe.
NOVAS GRAVAÇÕES
Sobre os temas instrumentais, ele cita que gostaria de tê-los gravados por nomes como o bandolinista Hamilton de Holanda e o violonista Yamandu Costa.
O que tiver "cara de canção, que pedir versos", ele deve entregar a parceiros que tiveram afinidade com Baden, como Paulo César Pinheiro.
Em relação ao livro, que deverá se chamar "Falando de Música com Baden Powell", Phillipe diz ter feito um acordo com a Prefeitura do Rio para que ele seja distribuído nas escolas públicas municipais.
Para projetos futuros, "Os Afro-Sambas", álbum antológico de Baden com Vinicius de Moraes, lançado em 1966, inevitavelmente está na alça de mira de Phillipe.
Para 2016, quando o disco completa 50 anos, o pianista pretende render tributo ao LP com alguma programação especial ainda não definida.
"Encontrei um bilhete que papai escreveu para o Claudio Santoro em que ele dizia que gostaria que 'Os Afro-Sambas' um dia virassem um balé. Eu nunca tinha ouvido falar desse desejo dele", comenta Phillipe.
O filho agora pretende entrar em contato com companhias de dança brasileiras na tentativa de conceber e executar o espetáculo. (LN)
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