ZERO HORA - 31/03/2013
Existem
diversas maneiras de se conhecer uma pessoa, não só através do que ela
diz, mas também através de seus gostos, atitudes, preferências,
escolhas. Por exemplo, uma das maneiras de sermos traduzidos é avaliarem
o que penduramos na parede. O que as suas paredes revelam sobre você?
Lembro
do quarto da minha infância. Na parede atrás da cama havia o quadro de
uma menininha de tranças, com as palmas das mãos unidas, rezando ao lado
do seu gatinho. Não era escolha minha, mas eu não desgostava, era uma
imagem que me transmitia conforto e segurança. Aí veio a adolescência, e
a menininha rezando foi trocada por um pôster do David Cassidy.
Começava ali a manifestação pessoal das minhas transformações internas.
Assim
que minhas filhas tiveram seus próprios quartos, permiti que usassem as
paredes como preferissem. A casa é dos pais, mas o quarto é território
de livre expressão, onde seu ocupante começa a criar o quebra-cabeça da
sua identidade.
Circulam por suas paredes cartazes de shows,
fotos de amigos, desenhos de próprio punho, cartões-postais. Aliás,
cartões-postais é uma paixão familiar: no meu escritório, emoldurei
dezenas deles reunidos. Nenhum com imagens de cidades, nada de paisagens
convencionais – são cartões artísticos que trazem propagandas de
filmes, fotos em preto e branco, estímulos visuais os mais variados.
Cada um desses cartões reflete as coisas que amo: cinema, música,
poesia, humor, erotismo, cotidiano. Um caleidoscópio estimulante e que
me situa – olho para eles e me sinto em casa, mesmo.
Pessoas
usam as paredes para pendurar calendários, relógios, fotos de família,
espelhos, objetos trazidos de viagens, mandalas, telas de seus pintores
preferidos, imagens ligadas ao esporte, tudo que traga substância e
prazer para conduzir os dias. Ou mantém as paredes nuas, que também é
uma forma de expressão – o minimalismo comunica tanto quanto. A parede é
o antepassado do Facebook, só que é uma página mais íntima e
acolhedora: apenas têm acesso aqueles que fazem parte do nosso universo
real, off-line.
Desperdício é quando a parede é utilizada com um
fim apenas decorativo, sem nenhuma sintonia com os sentimentos e com a
identidade do morador. O uso das paredes de forma protocolar,
burocrática, torna a casa mais triste do que alegre, por total falta de
inspiração do proprietário.
Use suas paredes. Troque as cores de
vez em quando. Mude os quadros de lugar. Crie os seus. Invente moda.
Acabo de encomendar com o superdiretor de arte Moisés Bettim uma tela
que traz Woody Allen pintado ao estilo Andy Warhol – viva a pop art.
Onde pendurarei?
Sei lá: na sala, no quarto, no banheiro, na
cozinha, na sacada ou possivelmente no nicho que me serve de escritório –
os cartões-postais hão de gostar da companhia. E a casa, preenchida de
uma atmosfera tão diversa, habitada por tantos apelos e referências,
ficará ainda mais parecida comigo.
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