domingo, 31 de março de 2013

CIÊNCIA » Polêmica alada-Roberta Machado‏

Pesquisadores chineses concluem que os primeiros pássaros tinham um par de asas extras nas pernas, provavelmente herdado dos dinossauros. Especialistas questionam a conclusão 


Roberta Machado

Estado de Minas: 31/03/2013 

Há 10 anos, a descoberta de um estranho fóssil forneceu uma nova peça ao quebra-cabeça que liga a evolução de dinossauros e aves. Os restos do Microraptor gui, um minúsculo dinossauro que lembrava um corvo, pareciam ser o elo perdido entre os répteis e os seres voadores, uma confusa quimera que levantou mais dúvidas do que esclarecimentos. O fóssil tinha longas penas nas pernas, sugerindo que o dinossauro usava essa estrutura traseira para voar. Muitos encararam o bicho como uma anomalia, mas uma pesquisa recém-publicada na revista Science surpreende ao sugerir que o padrão se repetiu em várias espécies de pássaros. O estudo levanta a possibilidade de que as primeiras aves tinham quatro asas, e que o par secundário foi perdido ao longo do processo evolutivo.
O grupo de pesquisadores do Museu da Natureza Shandong Tianyu, na China, e da Academia Chinesa de Ciências (ACC) estudou 11 espécimes preservados em Liaoning, uma província no nordeste do país asiático. “Há três anos, quando visitei o Museu Natural de Shandong Tianyu, vendo alguns espécimes antigos de pássaros notei um Sapeornis preservando grandes penas de voo nos pés. Fiquei chocado. Então, começamos o projeto e checamos mais espécimes de diferentes pássaros ancestrais, e finalmente fizemos esse artigo científico”, conta Xu Xing, professor da ACC e um dos autores do artigo.
Os pássaros usados no estudo eram de quatro grupos diferentes: Sapeornis, Yanornis, Confuciusornis e Enantiornithes. Em todos eles foi possível identificar restos de penas traseiras muito similares às encontradas em asas. As plumagens traseiras dos fósseis estudados não eram tão grandes como os membros superiores, mas as estruturas eram perpendiculares aos membros, sugerindo que as penas formavam lâminas rígidas com um suporte central, um modelo típico de função aerodinâmica, não de proteção.
Os fósseis são datados de 121 milhões a 125 milhões de anos atrás, o tempo do Baixo Período Cretáceo, o mesmo em que viveu o pequeno dinossauro com pernas cobertas de penas. A coincidência sugere que as plumas tenham aparecido primeiramente nos répteis pré-históricos e se estendido aos primeiros pássaros por meio da evolução. Com o passar dos anos, a plumagem teria diminuído e desaparecido gradualmente, primeiro dos pés, e depois das pernas.
Na época da descoberta do Microraptor gui, muitas especulações foram levantadas sobre como as asas traseiras influenciavam no voo do pequeno dinossauro. Até hoje, no entanto, ainda não se sabe muito sobre a utilidade delas. “Duvido que elas batessem como asas de pássaros, mas elas poderiam ter sido movidas para o lado para criar uma sustentação extra. Ou poderiam ter desempenhado um papel de estabilizadores, especialmente nas espécies mais primitivas”, arrisca o especialista em voo animal David Alexander, entomologista da Universidade do Kansas, nos Estados Unidos.

Incerteza A descoberta alimenta uma ousada linha de hipóteses sobre a evolução do voo de pássaros que ainda precisa de novos estudos e testes em laboratório para ganhar forma. Uma grande questão que permanece sem resposta é por que os pássaros teriam trocado as grandes penas rígidas por membros escamados e frágeis plumagens, já que se estima que o segundo par de asas daria mais estabilidade em curvas até duas vezes mais rápidas que as manobras alcançadas pelas espécies atuais.
Uma possibilidade levantada para explicar a mudança é a necessidade de estabilidade também na terra: as patas escamadas seriam mais úteis para caminhar e correr do que as com plumas. “Pássaros são caracterizados por ter dois sistemas locomotivos separados: asas para voar, e pernas para andar. A redução e perda de penas está relacionada à evolução e dissociação desses dois sistemas”, especula Xu Xing. O par de asas extras seria como as rodinhas de treinamento de uma bicicleta, necessárias para que os animais aprendessem a planar pelos céus até o seu desenvolvimento completo. “Mas quando os pássaros antigos desenvolveram as asas dianteiras, as asas de pernas não são mais necessárias, e as pernas podem se especializar somente para andar e correr.”
Outro fator que pode ter colaborado com a troca das penas pelas escamas é a mudança de ambiente que os animais sofreram na última centena de milhões de anos. Estima-se que os pássaros ancestrais vivessem unicamente em árvores. Com a mudança dos bichos para áreas abertas, e principalmente perto de rios e lagos, as penas traseiras teriam sido sacrificadas para uma caminhada mais segura.

Dúvidas O surgimento, o desaparecimento e a função das asas traseiras são fatores que ainda levantam dúvidas entre os paleontologistas e pedem por mais evidências. Alguns profissionais chegam a sugerir que as penas estudadas pela equipe chinesa podem ter sido plumas comuns, que se achataram durante a preservação e parecem ser maiores do que seu tamanho original.
Sem testes que comprovem a contribuição dessas estruturas no voo, há quem afirme que as penas traseiras na verdade atrapalhavam o deslocamento pelos céus. “É incontestável que penas desse tipo teriam sido um entrave”, afirmou à Science o paleontologista Kevin Padian, da Universidade da Califórnia. Outros especialistas ainda apontam que ela poderia ter tido função de acasalamento, como as cristas coloridas de espécies atuais.

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