domingo, 31 de março de 2013

Mauricio Stycer

folha de são paulo
O anão do Gugu e outras histórias

Nos últimos dois domingos, o apresentador dedicou 200 minutos à exploração das agruras de um anão
No intervalo de uma semana, estive em quatro eventos de promoção de novas atrações da televisão brasileira. Fui ao lançamento do canal Arte 1, da Band, e assisti à apresentação da nova grade de três emissoras, Cultura, Record e Globo.
Nos encontros, destinados a jornalistas, clientes e publicitários, um mesmo termo foi repetido à exaustão nos discursos de João Sayad, presidente da Fundação Padre Anchieta, Paulo Saad Jafet, vice-presidente da Band, Alexandre Raposo, presidente da Record, e Carlos Henrique Schroder, diretor-geral da Globo: "programação de qualidade".
Sayad talvez tenha sido o mais pragmático: "Não estamos, no século 21, na posição de ensinar ao público que música clássica é melhor do que música brega, ou que 'Mad Men' é inferior a 'Deus e o Diabo na Terra do Sol'. Seria pretensioso. O objetivo é oferecer diversidade, permitir que o público experimente".
Exibir numa TV pública um produto comercial, mesmo que com a qualidade de "Mad Men", pode parecer heresia, mas a Cultura já fez isso antes e não está sozinha. A PBS americana, por exemplo, exibe "Downton Abbey", seriado inglês que no Brasil será visto no canal pago GNT.
Mais incômodo, para mim, soam discursos como o de Alexandre Raposo. "A Record tem o objetivo claro de fazer uma televisão de muita qualidade, com a vontade de fazer a melhor TV do Brasil".
Tenho dificuldades de acreditar que ele ignore o cardápio recente do "Programa do Gugu". Nos últimos dois domingos (17 e 24 de março), o apresentador dedicou 200 minutos à exploração das agruras de um anão, funcionário da emissora.
Uma semana antes de Marquinhos brilhar pela primeira vez, a "Ilustrada" havia registrado na capa: "Gugu Liberato afunda na audiência". O Ibope do programa, naturalmente, disparou com a mistura de assistencialismo, humilhação e aberrações oferecidas.
No domingo seguinte, o anão voltou a monopolizar o programa. Casou com uma anã, teve lua de mel em um hotel e no final ganhou uma casa do apresentador.
Carlos Henrique Schroder, em sua primeira entrevista como diretor-geral da Globo, confirmou uma orientação que deu aos diretores da emissora: "Temos que oferecer produtos de relevância. Meta de audiência não pode ser a preocupação número um. Audiência é consequência".
Ouvindo Schroder, pensei no Faustão. Com uma gincana disputada por cachorros de celebridades, o apresentador não resistiu ao "ataque" do anão da Record. A derrota sofrida no primeiro domingo pode ter estimulado ao uso de armamento mais pesado no dia 24. Apareceu, então, o "Homem-elétrico", um sérvio que tem o poder de "controlar energia elétrica com as mãos". Slavisa Pajkic, porém, foi atropelado por Marquinhos.
A julgar pelo "CQC", a Band também promete emoções em 2013. O programa exibiu na segunda-feira (25) uma entrevista com o deputado José Genoino (PT-SP) feita por um ator-mirim, que se apresentou a ele como fã, com a ajuda do pai, que filmou tudo escondido. Um golpe baixo da pior espécie.
Não acho que estamos no fundo do poço, mas esses episódios mostram como é difícil falar de "programação de qualidade" na TV brasileira.
mauriciostycer@uol.com.br
@mauriciostycer

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