domingo, 3 de março de 2013

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » Cortiço ontem e hoje‏


Estado de Minas: 03/03/2013 04:00

Em meio a tantos centenários de nascimento (Graciliano Ramos, Rubem Braga, Vinicius de Moraes etc.) é bom lembrar que este ano é o centenário de morte de Aluísio Azevedo. Maranhense, irmão de Arthur Azevedo, ele morreu em Buenos Aires em 1913.

Ainda hoje, qualquer pessoa lê O cortiço com certa volúpia. Nas escolas, quando o professor pensa num texto capaz de suscitar interesse dos adolescentes tão ligados em iPods e computadores, surge logo aquele livro, que já virou filme, novela, teatro, história em quadrinhos etc.

Encantado com sua vida e obra, pensei em fazer a tese de doutoramento sobre ele, antes de decidir pela obra de Drummond. Li tudo o que podia, como aquela boa biografia escrita por Raimundo de Menezes, publicada em 1957, centenário de nascimento de Aluísio. E fiz posteriormente uma análise de O cortiço, que causou polêmica e foi reeditada agora em Análise estrutural de romances brasileiros (Editora Unesp).

As universidades e as academias deveriam aproveitar a data e reestudar sua obra. Está ali a sociedade brasileira de ontem e de hoje. Está ali germe do que seriam as “comunidades” atuais, que passaram a ser (no Rio) Unidades de Polícia Pacificadora. Por que não fazem seminários comparando os cortiços daquele tempo, as favelas de ontem e as comunidades de hoje? Chamassem urbanistas, sociólogos, políticos, escritores, historiadores para rediscutir o Brasil a partir do que Aluísio espetacularmente flagrou em sua época.

Moro do lado de uma ex-favela e/ou comunidade no Rio. Quantas vezes passando ali em frente me ocorreu estar lendo/vendo cenas descritas por Aluísio há 150 anos. Agora as coisas estão mais calmas. Não tem mais tiroteio. Mas a realidade da periferia das grandes cidades brasileiras (e latino-americanas) continua inscrita nas observações daquele romancista. Pensando continentalmente, já que ele morou em La Plata (Argentina), quem viu o filme argentino Elefante branco teve a sensação de estar revendo o Brasil de Cidade de Deus ou Tropa de elite.

Há na vida de Aluísio coisas intrigantes. Não só o escândalo do romance O mulato. Sabe-se que era caricaturista, havia estudado artes plásticas e fazia desenho de seus personagens antes de descrevê-los. Mudou-me para a frente de uma favela para desenhar realisticamente seus tipos. Mas vivendo de escrever romances durante 16 anos, o que era uma proeza já no século 19 no Brasil, quando conseguiu um posto diplomático perdeu em parte a motivação para escrever. Viveu na Espanha, Inglaterra, Uruguai, Paraguai, Argentina e Japão.

Lembro-me de ter examinado na França, em 1982, uma tese em que havia trechos do livro que escreveu sobre o Japão e, posteriormente, no Rio, de ter visitado em Botafogo um de seus sobrinhos de nome Aluísio, que tinha alguns documentos do escritor.

Quando morava no exterior, o editor Garnier pagou-lhe uma bolada por sua obra; pensava receber o dinheiro, mas seu amigo Graça Aranha, que era seu procurador, comprou um terreno para ele em Copacabana. Aluísio ficou decepcionado. É uma história meio confusa. Mas Valentin Magalhães, ressaltando que Aluísio ganhava o pão com literatura, assinalava ironicamente que “as letras brasileiras ainda não dão para a manteiga”.

Há exceções, claro.


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