domingo, 3 de março de 2013

Editoriais FolhaSP

folha de são paulo

Banco do Tesouro
Para emprestar mais, um banco tem duas saídas não excludentes. Pode elevar a proporção entre o crédito que oferece, de um lado, e seu capital próprio, do outro. Pode, ainda, receber mais capital de acionistas e repassá-lo aos clientes sob a forma de empréstimos.
A segunda hipótese, a chamada "capitalização", tem sido muito usada pelo governo federal desde a eclosão da crise global, em 2009. Injeta-se dinheiro do contribuinte nos bancos estatais, que, por sua vez, passam a emprestar mais.
Até 2010, esse expediente foi importante para atenuar os efeitos da tormenta mundial no Brasil. Depois disso, têm-se avolumado os indícios de seu esgotamento.
O BNDES, que nesse período recebeu do Tesouro Nacional mais de R$ 250 bilhões para impulsionar seus empréstimos, oferece um exemplo extraordinário desse esgotamento. Mesmo estufado de recursos federais, o lucro do banco caiu quase 10%, para R$ 8,1 bilhões, de 2011 para 2012.
Hoje, sai do Tesouro mais da metade dos recursos emprestados pelo banco de fomento, cuja missão é oferecer crédito de longo prazo para o setor produtivo. O governo federal, com dinheiro dos impostos pagos por todos os brasileiros, dobrou o tamanho do BNDES.
Ainda assim, o lucro caiu. Teria caído mais se as perdas com ações da Eletrobras em poder do BNDES fossem registradas como prejuízo.
Os aspectos questionáveis da política de inchaço do crédito oficial, nesse caso, vão além da discussão sobre o lucro. As escolhas do BNDES, de privilegiar a constituição -sempre arbitrária- de grandes conglomerados empresariais, não impediram a derrocada do investimento produtivo na economia nos últimos dois anos.
O país, além disso, vai perdendo eficiência e capacidade de competir. Ou seja, o investimento diminui em relação ao tamanho da economia, tendência que não é compensada por um rendimento melhor do capital e da força de trabalho empregados na produção.
Esses dados deveriam incentivar uma profunda revisão do papel do BNDES na economia brasileira, além de uma reflexão sobre qual seria a melhor aplicação dos recursos do Tesouro. Em vez disso, planeja-se em Brasília uma nova capitalização do banco estatal.
Quem sabe seja propício rebatizar o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Banco do Tesouro seria um nome mais fiel à nova realidade.

    EDITORIAIS
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    Legado de um papa
    Questão da identidade religiosa foi a marca mais forte de um pontificado que se destacou pela recusa a conquistas da modernidade
    Para boa parte da opinião pública ocidental e leiga, o pontificado de Bento 16 deixa marcas inconfundíveis de conservadorismo. Mais que isso, de um desajuste renitente diante das conquistas da modernidade, em especial nos planos dos costumes e da biomedicina.
    Embora os temas do amor conjugal e da ênfase na solidez da vida familiar façam parte do repertório das principais religiões, é inegável que as preocupações do Vaticano a esse respeito adquiriram uma insistência que tendeu a minimizar outros aspectos que seriam igualmente importantes do ponto de vista pastoral.
    Ambiente natural, tráfico de drogas, escravidão, armamentismo, desigualdade social, fraudes corporativas -há, nas manifestações do Vaticano, palavras oportunas sobre esses e outros problemas, sem que tenham surgido, entretanto, como bandeiras tão nítidas quanto as referentes à vida sexual.
    A imagem de conservadorismo que se associa a seu papado merece ser contextualizada. Nos EUA, por exemplo, as manifestações da Igreja Católica contra a pena de morte, contra a guerra no Iraque e a favor da ampliação do acesso à saúde pública encaminharam-se na direção contrária à do pensamento conservador por lá.
    Tampouco se pode considerar que, numa perspectiva global, o conservadorismo seja responsável pela perda de fiéis. No Brasil, onde cresce a audiência para os cultos evangélicos, provavelmente o que se busca, em muitos casos, é uma visão de mundo ainda mais conservadora que a do catolicismo.
    Temas como casamento gay e fim do celibato talvez não sejam, por outro lado, decisivos para a maioria dos católicos. Sob a ótica de muitos, o pontificado de Bento 16 teve sentido mais profundo.
    É possível que o papa fique marcado como alguém que valorizou a questão das identidades no mundo contemporâneo. Bento 16 trouxe a percepção de que a aderência dos fiéis se faz pela afirmação das diferenças, de modos de vida próprios, capazes de conferir segurança interna aos indivíduos -sem o risco da indiferença ou da diluição.
    O quanto isso pode dificultar os ideais de tolerância próprios do mundo contemporâneo é uma questão em aberto. Notável intelectual, Joseph Ratzinger conseguiu ampliar o diálogo da igreja com filósofos agnósticos e, ao mesmo tempo, solidificar pontes e interesses comuns com representantes de outras religiões igualmente tradicionalistas, como muitos grupos evangélicos e os muçulmanos.
    Foi uma tarefa difícil, sujeita aos acidentes de uma personalidade que não se notabilizava pelo carisma ou pela facilidade de comunicação. O próximo papa, provavelmente, terá a missão de suprir essas deficiências, mas é improvável que se desvie, no curto prazo, do trajeto delineado até aqui.

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